Em causa está um espaço de sete hectares localizado no Bairro do Grilo, no Beato, que foi sede da Jornada Mundial da Juventude 2023, coordenada pelo jurista José Sá Fernandes.
Finda a iniciativa, o anterior Governo do PS mandatou José Sá Fernandes para apresentar uma proposta de dinamização para o complexo com 15 edifícios onde outrora eram fabricados e armazenados os alimentos para o Exército português.
O projeto – entregue ao atual Governo (PSD-CDS/PP) – inclui a construção de 200 habitações com renda acessível, duas residências para estudantes e uma dezena de casas artísticas.
Sá Fernandes terminou o mandato em 31 de dezembro de 2024 e passou a pasta à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, à qual um despacho, publicado em 16 de janeiro do ano passado, cedeu a utilização do complexo, após a sua desafetação do domínio público militar (era propriedade do Ministério da Defesa Nacional).
Essa autorização de cedência foi dada – estabelece o Despacho 376/2024 – depois de a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros ter demonstrado “o seu interesse na utilização dos referidos imóveis com vista ao desenvolvimento do projeto-piloto de valorização e reabilitação para, designadamente, habitação, alojamento estudantil, alojamento urgente temporário, nomeadamente para pessoas em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência doméstica e de tráfico de seres humanos, e beneficiários de proteção internacional, pequena agricultura e criação de espaços de fruição cultural”.
O primeiro pedido de esclarecimentos da Lusa foi enviado à Presidência do Conselho de Ministros em 10 de janeiro, perguntando qual o plano do Governo para o complexo, se vai ser dada continuidade à proposta do anterior executivo e se o espaço passará para a gestão da Estamo – Participações Imobiliárias, S.A. e quando.
Sem resposta, a Lusa tentou obter esclarecimentos, três dias depois, junto do Ministério da Coesão Territorial – com o qual José Sá Fernandes também trocou emails no final do mandato.
A resposta veio 10 dias depois, por telefone, para dizer que o processo não estava nas mãos da Coesão, mas sim da Presidência.
A Lusa voltou a questionar a assessoria de imprensa do ministro António Leitão Amaro, por email, por chamada telefónica e por sms, mas não obteve qualquer resposta.
Pelo meio, em 27 de janeiro, a Lusa perguntou diretamente à Estamo, gestora que atua em nome do Estado, sobre o referido património imobiliário público.
Paula Cordeiro, do Gabinete de Comunicação e Imagem da empresa, respondeu, dois dias depois: “Os imóveis em causa ainda não estão na gestão desta sociedade.”
E acrescentou que “os imóveis que integram a designada Ala Norte da Manutenção Militar […] permanecem afetos à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, atualmente Secretaria-Geral do Governo, para cumprimento do mandato estabelecido” em resoluções do Conselho de Ministros.
Recordando que o grupo coordenado por Sá Fernandes terminou o seu mandato em 31 de dezembro, a Estamo indicou: “Aguarda-se agora decisão quanto aos termos e condições de futura gestão destes imóveis propriedade do Estado.”
Simultaneamente, a Lusa questionou a Câmara Municipal de Lisboa, já que se encontra a funcionar no complexo o Centro de Acolhimento de Emergência Municipal (CAEM) para pessoas em situação de sem-abrigo.
O CAEM deveria ter saído do espaço temporário onde está a funcionar também em 31 de dezembro passado e sido transferido para instalações definitivas, no mesmo espaço, cedidas ao abrigo de uma concessão do Governo por 20 anos, prorrogáveis até um máximo de 50.
A autarquia não respondeu ao pedido de informações sobre o estado das obras, orçadas em 1,2 milhões de euros, nem sobre a dimensão da população sem-abrigo que ali é atendida e a atual capacidade de resposta.
José Sá Fernandes desconhece o que o Governo vai fazer com o projeto que entregou, resultado de um ano de estudos técnicos (sondagens, levantamentos topográficos, arquitetónicos e de infraestruturas).
Entretanto, decidiu lançar uma petição pública, já assinada por quase 2.500 pessoas, para pedir a concretização do projeto de requalificação da antiga Manutenção Militar, “de forma a responder às prementes necessidades habitacionais, sociais, culturais e estudantis da cidade e do país”.
Segundo a proposta entregue pelo também ex-vereador na capital, a reconversão do complexo seria feita faseadamente, ao longo de quatro anos, com um custo total de 50 milhões de euros.
“Até agora não conhecemos qualquer desenvolvimento sobre este projeto”, corroborou Marina Gonçalves, ministra da Habitação do anterior Governo.
Em declarações escritas à Lusa, a deputada socialista disse estar preocupada com a hipótese de o “aparente silêncio do Governo” esconder “uma vontade de abandonar um projeto estrutural para a cidade e a população”.