A história podia ser apenas mais um capítulo cinzento da política portuguesa, mas os factos agora revelados transformam-na num caso que ameaça reabrir feridas profundas. Entre decisões discretas sobre património público e escutas telefónicas ocultadas durante anos, o nome de António Costa volta a emergir no epicentro de um enredo que mistura poder, negócios milionários e suspeitas de favorecimento.
Segundo investigação do jornal SOL, o antigo primeiro-ministro socialista assinou, em abril de 2022, um despacho que permitiu ao Grupo Pestana assumir a exploração do histórico Palácio Valadares, no coração do Chiado, sem concurso público e com contrato garantido até 2072. Um negócio de décadas, aprovado em silêncio, que transformou um dos imóveis mais simbólicos de Lisboa numa futura pousada de luxo, com rendimentos estimados em milhões para o grupo hoteleiro. Um detalhe crítico salta das análises jurídicas: o processo foi autorizado num regime excecional que contornou a habitual concorrência pública.
A acompanhar esta nova informação, eis que surgem mais peripécias no caso da operação ‘Influencer’, durante esta semana. No centro do processo, recorde-se, surgiu o nome de Vítor Escária, chefe de gabinete do então primeiro-ministro socialista, apanhado numa operação que envolveu buscas ao Palácio de São Bento e à residência oficial. O caso precipitou um dos episódios mais dramáticos da vida política dos últimos anos: o Presidente da República exigiu explicações imediatas, a crise institucional disparou e Costa acabou por anunciar a demissão num discurso relâmpago que apanhou o país de surpresa. Poucas horas depois, o Governo caía, e Portugal entrava em modo de gestão limitada, e Costa “fugiu para Bruxelas”.
“António Costa fugiu para Bruxelas para garantir imunidade política e um salário milionário. Fala-se muito de mobilidade europeia, mas isto é mobilidade para escapar à justiça.”
Agora, com o avanço da investigação, o país assiste à revelação de um outro capítulo delicado: 22 escutas telefónicas realizadas entre 2020 e 2022 no âmbito da operação ‘Influencer’, algumas das quais envolvendo diretamente António Costa. De acordo com o Diário de Notícias, essas interceções só foram enviadas ao Supremo Tribunal de Justiça em outubro de 2025, muito depois dos prazos legais e já após Costa ter deixado São Bento.
“Isto não é coincidência. António Costa fugiu para Bruxelas para garantir imunidade política e um salário milionário. Fala-se muito de mobilidade europeia, mas isto é mobilidade para escapar à justiça”, começa por frisar André Ventura, presidente do CHEGA.
“Tudo isto confirma que António Costa se moveu durante anos num sistema feito à sua medida. A justiça não avançava, os negócios aconteciam, e quem perdia eram os portugueses”, reforçou o líder da oposição.
A Procuradoria-Geral da República admitiu que sete dessas escutas o envolvem, mas justificou o atraso com “questões técnicas”. Um argumento que, para vários juristas, é insuficiente para explicar o incumprimento das normas legais de comunicação obrigatória.
O DCIAP, responsável pela investigação, insiste que não houve intenção de ocultar informação, mas as dúvidas permanecem. Porque é que escutas que envolvem um primeiro-ministro em funções nunca chegaram ao Supremo quando deveriam ter chegado? Porque só foram tornadas públicas quando o Governo já estava fora de cena? E o que dizem essas escutas que motivou tamanha hesitação em avançar com o processo? Perguntas que ganham ainda mais peso quando colocadas ao lado do caso Pestana.
O episódio da entrega do Palácio Valadares, realizado sem escrutínio público, torna-se mais perturbador quando visto à luz da opacidade judicial que envolveu o processo ‘Influencer’.
Entretanto, o Grupo Pestana mantém silêncio absoluto. Procurada por vários órgãos de comunicação, a empresa remeteu qualquer justificação para o Ministério da Economia, que também não clarificou os critérios usados para a escolha direta. Fontes próximas do processo garantem ao SOL que o grupo beneficiou de condições “incomparavelmente favoráveis” quando comparadas com outros operadores hoteleiros.
Para o CHEGA, tudo isto confirma aquilo que o partido vem denunciando há anos: “uma teia de interesses instalados que sobrevive a governos, legislaturas e mudanças partidárias”. Em declarações ao Folha Nacional, Ventura esclarece que “o caso Pestana e as escutas escondidas provam como o sistema protege os mesmos de sempre.” “Não estamos a falar de coincidências; estamos a falar de um modelo de governação que serviu elites económicas e políticas, não os portugueses”, arrematou.
O presidente do segundo maior partido acusa ainda o Estado de ter funcionado como “facilitador de negócios privados”, enquanto travava investigações judiciais que podiam pôr em causa figuras centrais do PS. António Costa foi eleito presidente do Conselho Europeu, garantindo um dos cargos mais influentes e melhor remunerados da União Europeia.
Fonte oficial em Bruxelas confirmou que o ex-primeiro-ministro passa a receber cerca de 35 mil euros por mês, fora ajudas de representação, segurança, viagens e residência oficial.