António Costa acabou por não resistir a mais um caso de corrupção, que desta vez o envolve diretamente, sendo alvo de um inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça, ligado ao caso dos negócios do lítio, hidrogénio verde e um ‘data center’, levando à sua demissão. Estão também envolvidos outros membros do Governo.
A operação resultou na detenção de Lacerda Machado, conhecido como o melhor amigo
do ex-primeiro-ministro, e de Vítor Escária, chefe de gabinete de Costa, com grandes ligações a José Sócrates, tendo sido seu assessor económico para os assuntos da Venezuela. Foram também feitas buscas aos ministérios de João Galamba, que foi constituído arguido, de Duarte Cordeiro, que é suspeito, e ao ex-ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, também suspeito.
Perante tão graves suspeitas a envolverem o círculo mais íntimo de António Costa, e depois de ser mencionado pela Procuradoria Geral da República como sendo alvo de um processo crime relacionado com o caso dos negócios do lítio, hidrogénio verde e um ‘data center’, Costa não teve outra alternativa que não fosse a porta da rua.
A operação levada a cabo pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal levou à detenção de Lacerda Machado, que para além de ser próximo de António Costa, tinha ainda uma relação de proximidade com Vítor Escária, através de quem terá alegadamente facilitado o acesso dos administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, a membros do Governo.
Lacerda Machado passou a trabalhar desde o final de 2020 como consultor da Pionneer Point Partners e depois da Start Campus, auferindo cerca de 6.500 euros mensais pelo menos desde 2022. E terá sido pela sua conhecida relação de grande proximidade com o primeiro-ministro que o consultor poderia influenciar a imagem dos diferentes intervenientes junto de António Costa.
A partir de 2021, o consultor terá feito contactos regulares com António Costa e Vítor Escária, mas também com outros elementos do Governo, nomeadamente o ministro das Infra-estruturas, João Galamba (constituído arguido), o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro (não arguido), e o agora ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, para que fossem tomadas decisões em favor dos interesses daquela sociedade.
De acordo com o MP, Vítor Escária terá aceitado os pedidos de Lacerda Machado para intervir junto do Governo e de outras entidades nas questões que envolviam a sociedade de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, que passaram a ter um acesso direto e regular a João Galamba. Estes contactos foram materializados em reuniões formais, em almoços e jantares privados – que foram por duas vezes pagos ao ministro, em aparente violação do Código de Conduta do Governo – e ainda em conversas via Whatsapp. Esta atuação dos dois administradores da sociedade estendeu-se ainda ao presidente do conselho diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, também constituído arguido. O chefe de gabinete do primeiro-ministro terá ainda apoiado Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves na pressão ao presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas (também detido), para conferir maior rapidez às decisões potencialmente ilícitas da autarquia e em favor dos projetos da Start Campus.
Após esses contactos, o autarca do PS ter-se-á comprometido em maio deste ano a agilizar procedimentos relacionados com aquela sociedade em troca da entrega de vantagens indevidas à Câmara de Sines e de apoios financeiros a iniciativas e projetos de outras entidades relacionados com a autarquia, como o Festival Músicas do Mundo ou o Clube de Futebol Vasco da Gama, de Sines. No centro da investigação, que começou em 2019, está a construção de um centro de dados em Sines, desenvolvido pela Start Campus e cuja primeira fase está já em conclusão.
Em abril de 2021, o primeiro-ministro esteve presente na assinatura do contrato para a instalação do ‘data center’, num projeto anunciado como o maior investimento estrangeiro das últimas décadas em Portugal e que poderá ascender a 3,5 mil milhões de euros. A operação do MP, com o apoio da Autoridade Tributária e da PSP, assentou em pelo menos 42 buscas em diversos locais e levou às detenções de Lacerda Machado, Vítor Escária, Nuno Mascarenhas, Afonso Sale- ma e Rui Oliveira Neves, tendo sido constituídos arguidos João Galamba e Nuno Lacasta. O MP considerou haver fortes indícios de crimes de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político, tráfico de influência e prevaricação. Na sequência do caso, António Costa anunciou na terça-feira a sua demissão do cargo de primeiro-ministro, mas recusou a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável” e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”. Marcelo Rebelo de Sousa aceitou a demissão e convocou, para quarta-feira, os partidos para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, tendo reunido, no dia seguinte, o Conselho de Estado. À hora de fecho desta edição, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não havia falado ao país, dando conta da sua decisão quanto à convocação ou não de eleições antecipadas.
- Com Agência Lusa