Para hoje estava marcada a leitura da sentença, mas a juiz titular do processo declarou extinto o procedimento criminal e determinou o arquivamento dos autos, por questões jurídicas, relacionadas com a legislação que foi saindo durante a pandemia de covid-19.
André Ventura e os restantes quatro arguidos no processo estavam acusados de um crime de desobediência, que esteve tipificado na “legislação covid” até 22 de janeiro de 2021, mas que a partir desse dia, com uma nova lei, passou a constituir apenas uma contraordenação.
Para a juiz, mesmo que se provassem as condutas que constam da acusação, os arguidos não poderiam ser agora punidos por um crime que a lei já não tipifica.
A decisão de arquivamento do processo vai de encontro ao que tinha sido promovido, em sede de instrução, pelo próprio Ministério Público, que pediu que os arguidos não fossem a julgamento, tendo em conta, precisamente, que o crime de desobediência fora entretanto “transformado” em contraordenação.
“Só lamento não ter tido conhecimento [do decreto-lei nº 8-A/2021] antes de fazer a acusação, se não certamente não a teria feito”, referiu o procurador, frisando que houve leis “confusas” durante a pandemia da covid-19.
Esse decreto-lei, de 22 de janeiro de 2021, altera o regime contraordenacional no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta e procede à qualificação contraordenacional dos deveres impostos pelo estado de emergência.
Além de André Ventura, os outros arguidos eram Rui Sousa, que foi mandatário nacional da candidatura presidencial, e Filipe Melo, líder da Distrital de Braga do CHEGA.
Os três são, atualmente, deputados na Assembleia da República.
No banco dos réus estava também o casal proprietário do restaurante que acolheu o jantar-comício.
Em causa um jantar-comício realizado no dia 17 de janeiro de 2021 num restaurante em Tebosa, Braga, que juntou cerca de 120 pessoas.
Na acusação, o Ministério Público refere que quatro dias antes tinha sido publicado um decreto do Presidente da República que renovava, por mais 15 dias, com início no dia 16, a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública.
No dia 14, o Governo fez publicar o decreto que regulamentava a modificação e prorrogação do estado de emergência e que, entre várias outras medidas, estabelecia um dever geral de recolhimento domiciliário, excecionando-se desse dever a participação, em qualquer qualidade, no âmbito da campanha eleitoral ou da eleição do Presidente da República.
Do decreto constava também uma norma que permitia aos restaurantes e estabelecimentos similares funcionarem exclusivamente para efeitos de atividade de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento.
Desse modo, sublinha o MP, ficava excluída a possibilidade de naqueles estabelecimentos serem servidas refeições, fosse sob que forma fosse.
“Ficou também assente que apenas seriam admissíveis eventos de campanha eleitoral em espaços fechados, quando os mesmos decorressem em auditórios, pavilhões de congressos, salas polivalentes, salas de conferências e pavilhões multiusos”, lê-se na acusação.
Para o MP, da conjugação destas normas “resulta claro que os restaurantes deveriam permanecer encerrados” e que neles não poderiam decorrer eventos de campanha eleitoral.
Em tribunal, os arguidos alegaram que agiram convictos da legalidade da iniciativa e que sempre tiveram o aval da Direção-Geral da Saúde para todas as ações de campanha, mesmo que “a posteriori”.