A Degradação da Democracia e as Lições do Século XX

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Hoje, acordámos todos com a notícia da tentativa de assassinato de Donald Trump durante um comício na Pensilvânia. Diversos vídeos e imagens mostram o momento em que o ex-presidente americano discursava quando barulhos de tiros foram ouvidos. Trump fez uma expressão de dor com o rosto e levou a mão ao ouvido antes de se abaixar, enquanto os estalos de tiros irromperam. Ele foi rapidamente cercado por agentes do Serviço Secreto e retirado do palco. Este acto ignóbil e condenável a todos os níveis, é apenas mais um episódio chocante e alarmante da crescente polarização e intolerância dentro das nossas sociedades. A questão, estará a democracia, tal como a conhecemos, em falência? Dever-nos-ia obrigar a uma profunda reflexão sobre a forma deplorável como todos nós temos tratado a nossa democracia e qual o futuro que queremos para os nossos filhos.

O Século XX e as Lições Esquecidas

      A historia, por muito que certos movimentos a tentem reescrever, tem o dom natural de se repetir quando não lhe damos a devia atenção. O século XX foi um período de extrema turbulência. Conflitos devastadores, como as duas Guerras Mundiais, deixaram marcas profundas na humanidade, evidenciando os perigos do extremismo e da intolerância. Ditaduras brutais, genocídios e regimes autoritários emergiram, ensinando-nos lições amargas sobre os custos da desumanidade. As lições desse período deveriam ter consolidado o nosso compromisso global com os valores do diálogo pacífico, o respeito pelos direitos humanos e a liberdade de opinião. No entanto, a repetição de episódios de violência política sugere que muitas dessas lições estão a ser esquecidas.

      A ascensão de regimes totalitários no início do século XX, como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália e o comunismo na Rússia, mostrou ao mundo as consequências catastróficas da intolerância e da supremacia racial. O Holocausto, a perseguição de minorias e a repressão brutal de dissidentes são lembranças sombrias dos horrores que podem resultar quando o ódio e a intolerância são institucionalizados. Milhões de pessoas foram vítimas de perseguições políticas, execuções sumárias, trabalhos forçados e fome induzida pelos próprios Estados. O regime de Joseph Stalin na União Soviética, por exemplo, foi responsável pelo Grande Expurgo, onde milhões de dissidentes reais ou percebidos foram presos, enviados para as Gulags ou executados.

      Todas essas lições do século XX, deveriam ter consolidado o nosso compromisso global com os valores da democracia, paz, respeito pelos direitos humanos e pela liberdade de opinião. Valores que se assumem como fundamentais para prevenir o retorno das atrocidades do passado e assegurar uma convivência harmoniosa entre diferentes grupos sociais e políticos. Esquecer essas lições irá inevitavelmente levar a uma repetição das mesmas tragédias. A polarização política e a intolerância que vemos hoje são sintomas de uma sociedade que não aprendeu com os erros do passado. O aumento da violência política, a erosão dos direitos humanos e a supressão da liberdade de opinião são sinais alarmantes de que estamos a seguir um caminho perigoso que nos levará, em última analise, aos erros trágicos do passado.

A Essência da Democracia

      A democracia assenta na capacidade de resolvermos as nossas diferenças de forma civilizada e construtiva, através do diálogo e da ponderação. Qualquer desvio deste princípio fundamental coloca em risco a própria essência do nosso modelo democrático. Os episódios crescentes de violência política são não só um ataque a indivíduos, mas também uma ameaça à própria estrutura democrática. Quando permitimos que a intolerância dos discursos e a polarização dominem o debate, enfraquecemos os pilares sobre os quais assenta a nossa sociedade.

      Apesar dos avanços inquestionáveis, a natureza humana mantém-se constante ao longo da história, como evidenciado pela recorrência de conflitos e pela sensação de desilusão. Por conseguinte, os velhos debates tendem a ressurgir sempre sob nova roupagem. Um exemplo disso são as redes sociais que, embora facilitem a comunicação e o acesso à informação, também amplificam a desinformação e a polarização. A rapidez com que as informações – verdadeiras ou falsas – se disseminam torna difícil filtrar a verdade. A ausência de mecanismos eficazes para verificar a veracidade das informações contribui para a propagação de narrativas enganosas, que alimentam preconceitos e divisões. Assim, as redes sociais não só amplificam os conflitos, como também criam novos desafios para a coesão social e a integridade do debate democrático.   

      Quando os políticos e os cidadãos não conseguem dialogar de forma respeitosa e construtiva – ou seja, concordar em discordar de maneira saudável – a democracia enfraquece. A polarização extrema que temos assistido nos últimos anos leva à demonização do adversário político, transformando-o num inimigo que deve ser eliminado a todo custo, em vez de um oponente a ser debatido. O discurso de ódio e a retórica divisa apenas servem para alimentar a violência. Este ambiente tóxico impede qualquer tipo de colaboração e compromisso, factores essenciais para o funcionamento saudável de qualquer democracia. 

      O auge destes conflitos manifesta-se nos intensos confrontos sociais, onde cada lado se encontra cego à posição oposta e surdo aos seus argumentos, o que acaba por provocar a erosão no seio das nossas sociedades, levando a um sentimento de guerra civil. Muitas vezes, a única saída deste impasse é a destruição causada pela violência, que arruína grande parte do que ambos os lados valorizam. Frequentemente esquecemos que aquilo que nos une é, muitas vezes, mais significativo do que aquilo que nos separa.

      Para preservar a essência da democracia, é necessário um esforço contínuo de diálogo e ponderação, abordando as nossas divergências de maneira civilizada, com respeito mútuo e disposição para ouvir e debater. Só assim poderemos evitar que antigos conflitos e a violência minem os alicerces do nosso sistema democrático. A capacidade de encontrar um terreno comum, focando no que nos une em vez do que nos divide, é fundamental para assegurar a sobrevivência e a prosperidade da democracia, bem como o futuro que desejamos para os nossos filhos.

      Ontem, dia 14 de Julho, os Estados Unidos estiveram a 1cm de uma guerra civil; amanhã, poderemos não ter a mesma sorte…

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