A soma e as partes

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A pessoa mais importante na conquista pela Argentina, a 18 de Dezembro de 2022, no Qatar, do seu terceiro campeonato mundial de futebol tem como primeiro nome Lionel. Porém, o seu apelido não é Messi mas sim Scaloni. É verdade: o actual treinador da «equipa das pampas» foi, é, o principal responsável do sucesso da sua selecção.

Sob a liderança de Lionel Scaloni a Argentina ganhou os mais importantes torneios (séniores) mundiais de futebol por selecções: em 2021 o sul-americano, a Copa América, que não vencia há quase 30 anos; em (Junho de) 2022 o torneio das confederações – isto é, aquele que reúne os campeões continentais, e que Portugal não ganhou em 2017 enquanto campeão europeu – com uma vitória sobre a Itália por 3-0; e, no final do mesmo ano, e como já referido, o Mundial. Com Scaloni a «albi-celeste» ganhou mais, em dois anos, do que em quase 40 com outros treinadores. E isto com um conjunto de jogadores que nada tem de superlativo, nenhuns «acima da média» a não ser Angel di Maria e Lionel Messi. Selecções principais argentinas anteriores, que disputaram e que perderam – e já contando com Messi desde 2005 – vários campeonatos mundiais e sul-americanos, dispuseram de jogadores indiscutivelmente mais talentosos do que aquela que em 2022 ganhou o galardão máximo. Na verdade, a seguir à «geração» de Passarella, Kempes, Ardilles, Maradona, Valdano, Burruchaga, Caniggia, que foram às finais de 1978, 1986 e 1990, tendo ganho as duas primeiras, não faltaram naquele país grandes jogadores, vários dos quais disputaram, e perderam (com a Alemanha), a final do Mundial de 2014, no qual Messi, além de titular, já era capitão.

Não é só em comparação com outras anteriores que a actual selecção argentina é, em termos de talentos individuais, claramente inferior. Também o é com selecções contemporâneas de outros países. Alguma vez ela tem melhores jogadores do que, por exemplo, Portugal? Evidentemente que não. Mais uma vez, o que faz a diferença, o que é mais importante, é a liderança, neste caso do treinador. Que começa pelo (aparentemente) simples facto, pela (aparentemente) básica tarefa, de escolher quem joga de início, e depois, durante o decorrer do jogo, decidir que substituições fazer. É legítimo afirmar que Portugal não ganhou o Mundial do Qatar porque foi derrotado, eliminado, por Marrocos – no que terá constituído como que mais um «Alcácer Quibir» (depois do de 1986 no México), com os norte-africanos a quase fazerem o pleno de vitórias sobre ex-colonizadores, ou seja, depois de Bélgica, Espanha e Portugal, só falharam frente à França – porque perdeu com um golo sofrido… e «consentido» pelo guarda-redes Diogo Costa, talentoso mas jovem, que talvez não tivesse acontecido com Rui Patrício. Agora, no Campeonato Europeu na Alemanha, o guardião do FC Porto como que se «redimiu» ao defender três pontapés da marca da grande penalidade contra a Eslovénia… mas não defendeu um só frente à França. Moral da história? É sempre preferível (tentar) ganhar o jogo no tempo regulamentar e não deixar o desfecho para a «lotaria dos penáltis». E três jogos consecutivos sem marcar um único golo nada augurava de bom, o que veio a confirmar-se.

No futebol – como, aliás, em qualquer outra actividade – convém haver sempre consistência, (boa) direcção e estabilidade durante um período alargado de tempo. Que Portugal nunca teve, e não só com Fernando Santos. Com excepção do «milagre» de 2016 tem-se verificado uma instabilidade de desempenhos e de resultados que não é aceitável nem justificável, quase sempre «do 8 ao 80», alternando triunfos tonitruantes com derrotas desmoralizantes. Portugal tem-se caracterizado por ser como que uma selecção «bi-polar», esquizofrénica. É imperdoável, e ridículo, que jogadores que nos seus clubes estão habituados a serem dominantes e a mandar nos jogos e nos adversários sejam forçados a retraírem-se quando estão na selecção. Alguém poderá contrapôr: «E a campanha de apuramento para o Europeu da Alemanha? Só vitórias em todos os jogos disputados, o que aconteceu pela primeira vez.» Sim, mas… e depois, o que aconteceu em terras germânicas? Pelo que, em última análise, de que valeu essa imaculada fase de qualificação?

Um treinador de futebol é o elemento mais importante de uma equipa de futebol (ou de outro desporto colectivo), tal como, e à semelhança de, um realizador de cinema face a actores e técnicos, um gestor face a outros trabalhadores, um general face a oficiais menos graduados e a soldados, um primeiro-ministro face a ministros, secretários de Estado…. e deputados. Um líder escolhe, organiza, comanda… e motiva. No entanto, antes de haver um treinador é necessário escolher o treinador, e isso cabe à respectiva federação nacional. É legítimo questionar a decisão de Fernando Gomes e da FPF de contratar Robert Martinez, que é afável – o seu esforço em aprender e em falar Português correctamente é notável – e conhecedor do seu ofício; todavia, falhou… mais uma vez. Na verdade, é de lembrar e destacar que este espanhol conseguiu menos com a Bélgica do que o «engenheiro do penta» com Portugal, e até foi eliminado mais cedo no Qatar. Se é para contratar um estrangeiro então que seja alguém com um currículo de êxitos, como Luís Filipe Scolari, que quando veio treinar a selecção das quinas era «apenas» campeão do Mundo pelo Brasil. A não ser que a excepção seja… excepcional, é sempre preferível seguir a regra e colocar um português à frente da equipa portuguesa. E José Mourinho é, obviamente, o primeiro nome numa longa lista. De pouco ou nada adianta dar-se muitos pontapés na bola se, ao mesmo tempo, se dá demasiados pontapés… na lógica.

No passado dia 14 de Julho a Espanha tornou-se, pela quarta vez, campeã da Europa de futebol. Os seus jogadores, considerados individualmente, são melhores do que os portugueses? Não, indiscutivelmente. A nossa selecção nacional, que raramente tem sido uma selecção… natural, continua a ser menos do que a soma das suas partes. Uma delas, e a mais importante nas últimas duas décadas, é Cristiano Ronaldo, que nunca foi devida, correcta e completamente aproveitado; ele não é, não tem de ser, um estorvo na demanda da excelência. Lionel Messi certamente não o é nesta mais recente Argentina. Que, também no passado dia 14, revalidou o seu título de campeã sul-americana. Comandada, novamente, por Lionel Scaloni.

 

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