Segundo o despacho a que a agência Lusa teve acesso, “a medida de coação imposta a José Sócrates extinguiu-se no passado dia 1 de novembro devido ao decurso do seu prazo máximo”.
Conforme cita o documento, “é entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que, de acordo com o princípio de unidade processual do prazo das medidas de coação, este é único num mesmo processo”. Desta forma, “tendo os autos já sido remetidos para julgamento e tendo sido aplicada a medida de coação nessa fase, o prazo máximo da medida de apresentações passou a ser (…) de dois anos e quatro meses, não sofrendo tal prazo um encurtamento em virtude de ter havido regressão à fase processual anterior”.
Recorde-se que, desde 1 de julho de 2022, Sócrates estava obrigado a apresentações quinzenais na esquadra policial da área de residência. No entanto, esta medida de coação foi recentemente extinta, o que tem gerado descontentamento entre as autoridades e a opinião pública. Isto porque o antigo primeiro-ministro fica livre de poder vir a fugir do país, à semelhança do que aconteceu com João Rendeiro, ex-banqueiro envolvido no caso do Banco Privado Português (BPP), que fugiu para África do Sul, onde acabaria por ser capturado.
Apesar de já não ocupar cargos públicos, ainda se desconhecem os meios financeiros que permitem ao socialista de manter um nível de vida considerado elevado, sobretudo em comparação com a média nacional – tal estilo de vida que está a levantar suspeitas e que contribui para o receio de que possa “desaparecer dos radares”, caso seja essa a sua intenção.
Este processo judicial arrasta-se desde 2017, não apenas devido à morosidade da justiça portuguesa, mas também pela sucessão de recursos e reclamações interpostos por José Sócrates, que já somam 52 apenas no Tribunal da Relação de Lisboa e no Supremo Tribunal de Justiça. Desde que a investigação da “Operação Marquês” foi desencadeada, em novembro de 2014, Sócrates perdeu quase 80% dos recursos apresentados, embora isso não tenha impedido que todo o processo se prolongasse ao longo dos anos.
Em 2021, o antigo Secretário-Geral do Partido Socialista foi ilibado dos crimes de corrupção de que era acusado, restando apenas as acusações de branqueamento de capitais e falsificação de documentos, que ainda esperam julgamento. O prolongamento deste caso tem gerado grande polémica e descrédito entre a população, que acompanha com preocupação e ceticismo o desenrolar de um processo que parece longe de um desfecho definitivo.
Ainda em 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar não apenas José Sócrates de crimes de corrupção, mas também todo o Grupo Lena, incluindo o ex-administrador Joaquim Barroca, que enfrentava acusações de corrupção ativa. Esta decisão abrangeu ainda Carlos Santos Silva, amigo próximo de Sócrates, que estava acusado de corrupção passiva de titular de cargo político e corrupção ativa de titular de cargo político.
Este desfecho fez correr muita tinta nas páginas dos jornais portugueses, sendo amplamente criticado e levantando questões sobre a eficiência e transparência da justiça no país. A decisão de Ivo Rosa, que reduziu significativamente o impacto das acusações na “Operação Marquês”, foi recebida com ceticismo e desapontamento por muitos setores, especialmente considerando as acusações iniciais e a relevância política e económica dos implicados.
A medida foi vista por alguns como um sinal de fragilidade do sistema judicial português perante casos de grande complexidade e influência, uma vez que o Grupo Lena era apontado como peça central no alegado esquema de corrupção em torno de José Sócrates. Essa ilibação trouxe ainda mais polémica ao caso, prolongando o debate público sobre o poder da justiça para combater a corrupção, principalmente em casos de corrupção política de alto perfil.
O CHEGA tem sido o partido que mais se tem contestado sobre este caso, não só com a demora, mas com todas as prescrições que têm acontecido.
“É evidente, perante todos, que a decisão que foi conhecida, de deixar cair os crimes de corrupção ligados a José Sócrates, muitos deles por razões de prescrição, causa-nos enorme perplexidade, sentimento de revolta e de frustração. É um ultraje o que aconteceu. É mais um tiro no edifício do Estado de Direito, na crença da democracia em Portugal e um enorme aumento de frustração e revolta dos cidadãos face à nossa democracia, que, de facto, está doente”, disse André Ventura.
O Presidente do CHEGA considera que está em causa “um sentimento de vergonha nacional, perante um antigo primeiro-ministro” que tinha “despesas inqualificáveis, formas e fontes de fortuna incompreendidas por todo o cidadão, face à vida que fazia e, ainda assim, a Justiça deixa-o escapar”.