Portugal tem uma qualidade rara, consegue viver no eterno “déjà-vu” político. A cada verão, a história repete-se com a disciplina de um relógio suíço: o sol aparece, a floresta seca, o país arde… e os governantes aparecem nas televisões a prometer que “desta vez será diferente”. Nunca é.
O PS, durante anos, tratou os fogos como uma espécie de ritual nacional: as sardinhadas, os santos populares, o fogo na serra… Um folclore trágico, mas sempre útil para mais um discurso pomposo sobre “estratégias nacionais” e “planos estruturais”. O problema é que a única coisa estrutural foi a incapacidade de agir. A floresta era para o PS como as suas promessas eleitorais (inflamáveis, passageiras e rapidamente reduzidas a cinzas) .
Garantiram milhões para a prevenção, mas o que chegou ao terreno foram migalhas; anunciaram reformas profundas, mas o que se aprofundou foi a burocracia; juraram que iam apoiar bombeiros, mas o único fogo bem apagado foi o da indignação, abafada com promessas sempre adiadas. No fundo, o PS tratou a floresta como trata o país; um espaço de propaganda, onde se distribuem tachos em vez de enxadas, relatórios em vez de soluções, e onde a culpa é sempre do clima, do destino, ou, em última instância, dos próprios portugueses que teimam em viver junto às árvores.
Eis então que chega o PSD, o cavaleiro branco que prometia virar a página. Luís Montenegro apareceu como o homem que traria ordem ao caos, o pragmatismo contra a propaganda, a coragem contra a resignação. Um enfadonho e repetitivo déjà-vu imediato. O PSD assumiu a tocha deixada pelo PS, não para iluminar o caminho, mas para continuar a acender o mesmo teatro de sombras.
Reuniões atrás de reuniões, declarações que soam mais a eco do que a novidade, promessas redondas que podiam ter sido escritas nos tempos de Sócrates, Passos, Costa ou até Cavaco. Mudou o actor, manteve-se o guião e o País, ansioso por mudança, ganhou apenas novos narradores para a mesma tragédia.
O PSD, que acusava o PS de falta de coragem, demonstra o mesmo receio em mexer nos interesses instalados. Os lobbies que paralisavam o socialismo parecem gozar da mesma imunidade sob o social-democratismo. A floresta continua ao abandono, os pequenos proprietários continuam desamparados e os bombeiros (reduzidos a minutos de silêncio) continuam a mendigar meios. Mas o essencial não muda: as câmaras de televisão continuam a captar governantes de mangas arregaçadas, fingindo que estão a “coordenar operações” quando na verdade só coordenam a própria imagem.
No fundo, PS e PSD são como gémeos políticos siameses que partilham o mesmo corpo gasto, mas que competem pela mão que segurará o microfone. O povo é condenado a este “ping-pong” , como quem troca de canais mas descobre que todos passam o mesmo reality-show. Um promete o futuro, o outro garante que o vai construir; até ao dia em que trocam de lugar e continuam exatamente na mesma linha.
Se o PS foi o arquitecto da mediocridade, o PSD arrisca-se a ser apenas o pedreiro que repete a obra malfeita. Ambos falam de prevenção, mas vivem do improviso. Ambos juram proteger populações, mas abandonam-nas ao primeiro clarão de fogo. Ambos dizem aprender com o passado, mas ignoram as cinzas.
E assim seguimos, Portugal em combustão lenta. Enquanto uns fazem de conta que governam, outros fazem de conta que mudam, e o povo, esse, faz de conta que acredita. Até à próxima chama, até à próxima tragédia, até ao próximo relatório que ninguém vai ler.
No fim, talvez a única coisa verdadeiramente sustentável que os nossos governantes conseguiram criar foi um país reduzido, ano após ano, a cinzas políticas e florestais.