Rutte, 57 anos, que deixa a chefia do Governo dos Países Baixos e deverá receber a liderança da organização em outubro, pode também esperar muito trabalho além de frear a ameaça colocada à Europa pela liderança de Vladimir Putin no Kremlin, incluindo mudanças políticas em vários países europeus e noutras geografias e o possível regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca.
Eis os principais desafios do futuro secretário-geral da NATO:
Apoio à Ucrânia
Ao fim de dois anos e meios sobre a invasão russa da Ucrãnia, iniciada em fevereiro de 2022, as forças de Kiev continuam a lamentar que o apoio dos aliados é insuficiente para contrariar a superioridade das forças de Moscovo em quantidade de efetivo e de armamento.
Só agora a ajuda financeira e militar dos Estados Unidos, avaliada em mais de 57 mil milhões de euros e que foi aprovada no Congresso em abril, começa a ter algum impacto no equilíbrio de forças nas frentes de combate, além da iniciativa checa da aquisição conjunta de munições para Kiev.
Espera-se que este ano cheguem aos céus da Ucrânia os caças de combate F-16, numa coligação internacional dirigida pela Dinamarca e os Países Baixos sob a liderança de Rutte.
Os avanços nos últimos meses das tropas de Moscovo nas frentes leste da Ucrânia e a ameaça que colocaram à segunda maior cidade ucraniana, Kharkiv, no nordeste, deixaram os aliados em estado de alerta, levando a que muitos tenham anunciado expressivas ajudas bilaterais em dinheiro, armas e formação militar nos últimos meses.
Em cima da mesa na próxima cimeira de alto nível da NATO, prevista para decorrer entre 09 e 11 de julho em Washington, estará uma proposta do secretário-geral cessante, o norueguês Jens Stoltenberg, de criar um fundo de longo prazo para a Ucrânia de 40 mil milhões de euros anuais.
A ameaça russa e adesão da Ucrânia
A NATO reconheceu que a Rússia é a principal ameaça que a Aliança enfrenta, uma vez que está cada vez mais preocupada com a capacidade de Moscovo de usar táticas híbridas para desestabilizar os seus países membros.
Rutte deve estar atento às necessidades dos aliados face ao que já consideram uma “campanha de atos hostis” e que inclui sabotagem, ataques cibernéticos ou mesmo a utilização instrumentalizada de migrantes ilegais, como sucede na Polónia e nos países bálticos.
Espera-se que a resposta aliada inclua uma maior partilha de informações, mais proteção de infraestruturas críticas – como submarinas e ciberespaço – e vigilância dos agentes secretos russos e seus colaboradores nos países aliados.
Na próxima cimeira em Washington, as autoridades de Kiev esperam também conseguir progressos no seu processo de adesão à NATO, que, desde a invasão russa foi ampliada para 32 membros com a integração da Suécia e da Finlândia.
Trata-se de uma “linha vermelha” traçada por Vladimir Putin, que inclui este tema na lista de argumentos para a campanha militar no país vizinho e de qualquer eventual conversação para o fim das hostilidades.
Gastos em defesa
Rutte terá de continuar o trabalho que Stoltenberg tem feito desde 2014 para aumentar os gastos dos aliados com defesa.
Em Washington espera-se que o objetivo de investir 2% do PIB na defesa não seja um limite máximo, mas um mínimo comum para todos, quando os países bálticos, por exemplo, até pedem uma subida deste patamar para 2,5%.
Apesar de o compromisso de 2% ser antigo e ter sido reafirmado na última cimeira em Vilnius, apenas 23 dos estados-membros atingiram esta meta, o que significa que um terço ainda está aquém, incluindo Portugal, com 1,55% do PIB, estimando-se que a subida para a percentagem acordada só aconteça em 2030.
As nações do sul da Europa estão aliás entre os piores gastadores, o que inclui Itália e Espanha, ambos abaixo dos 1,5% e que contrastam com a prioridade em defesa dos países mais próximos do conflito ucraniano, desde logo a Polónia, que gasta acima de 4%.
Este desequilíbrio poderá legitimar os países no norte e de leste a reclamarem mais peso na Aliança, afetando as escolhas que o político neerlandês terá de fazer para outros cargos de topo da organização.
Mudanças na Europa e o “fantasma” de Trump
O possível regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca, nas presidenciais norte-americanas em novembro, pode ser o principal elo de desestabilização da organização e que Putin tanto espera após o consenso entre os estados-membros sobre o apoio à Ucrânia e a designação da Rússia como a principal ameaça de segurança.
Fontes diplomáticas aliadas acreditam que durante o mandato do ex-Presidente dos Estados Unidos (2017-2021), apesar dos seus protestos contra a Aliança antes de chegar ao poder, o vínculo transatlântico não foi enfraquecido, mas o seu possível regresso levanta novamente questões.
Trump declarou que não pretende manter o apoio à Ucrânia e, há alguns meses, sugeriu que encorajaria a Rússia a atacar os países da NATO que não cumpram as quotas de gastos com defesa.
Nos próximos anos, os aliados que também pertencem à União Europeia terão de chegar a acordo sobre um novo orçamento comunitário em que a Defesa terá dificuldade face às políticas de competitividade.
Rutte terá de prestar atenção também aos países do flanco sul, onde se inclui Portugal e que partilha o apoio à Ucrânia com outras necessidades, como a proteção da sua enorme zona marítima.
Além disso, a Hungria, próxima do Kremlin, tem resistido a decisões tomadas por consenso pelos outros aliados na NATO, a par da Turquia e, mais recentemente da Eslováquia, cujo primeiro-ministro, Robert Fico, mandou cessar a ajuda a Kiev.
As últimas eleições europeias, realizadas em junho, mantiveram preferências no centro político na maioria dos países mas indicaram também uma forte ascensão da extrema-direita, como em França, onde foram convocadas eleições antecipadas para o próximo mês.
A extrema-direita chegou de resto ao poder nos próprios Países Baixos, forçando a saída de Mark Rutte, e onde o nacionalista radical Geert Wilders se assume admiração por Putin e Trump.
China no centro das atenções
A China não é vista como uma ameaça pela NATO, mas os aliados estão preocupados com a forma como o seu investimento militar disparou e com a possibilidade de perder a sua vantagem tecnológica para Pequim.
Outras avaliações entendem que Pequim não pode ser considerada neutra em relação à guerra na Ucrânia, uma vez que fornece a Moscovo bens de dupla utilização que usa nas armas da invasão.
A NATO acredita que o Pacífico também afeta a sua segurança, e Rutte será chamado a aprofundar a relação que a Aliança e os Estados Unidos estão a reforçar com os parceiros pró-ocidentais do Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia).