Uma associação de amamentação de Macau expressou preocupação à Lusa com a separação à nascença de mães e bebés no único hospital público do território, que justificou a medida com “a situação da pandemia” de covid-19.
“É difícil de acreditar”, reagiu a presidente da Associação Promotora de Aleitamento e Cuidados Infantis de Macau (APACIM), que se mostrou “bastante surpreendida com a notícia”.
Virginia Tam realçou que, mesmo que a mãe tenha covid-19, a medida “não está em conformidade com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde [OMS]” no que diz respeito à amamentação.
“Desde o início [da pandemia], o requisito é que as mães fiquem com o bebé e cumpram os requisitos de higiene, como o uso de máscara, a lavagem frequente de mãos, mas a preferência é que a mãe e o bebé sejam mantidos juntos”, realçou a responsável, notando ainda “os benefícios do contacto pele com pele” entre mãe e filhos logo após o nascimento para, entre outros, facilitar a amamentação.
Ana Jael Tavares, portuguesa a viver em Macau, fez uma cesariana no domingo no Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ), único hospital público do território, e foi impedida de ver a filha nas primeiras 30 horas após o parto. À Lusa, a mãe de 41 anos, que não tem covid-19, disse que só teve acesso a informações básicas, como o peso da bebé, quando o marido se deslocou ao andar onde se encontram os recém-nascidos para questionar os funcionários.
“O que me disseram é que estão a usar a ala de maternidade para os casos de covid-19 e, por isso, os bebés estão num piso e as mães noutro”, notou.
Após muita insistência para ver a criança, a portuguesa foi levada “para um cantinho do corredor da neonatologia que é onde estão neste momento todos os bebés, com ou sem problemas”.
“Mesmo quando me deixaram vê-la e pedi para amamentar fizeram uma pressão terrível para não amamentar. Eu estava numa ala que está resguardada, à qual só têm acesso médicos e enfermeiros. Uma pediatra e uma enfermeira estiveram ali imenso tempo para eu não amamentar”, salientou Ana, notando a “violência tremenda” da separação a que tem estado sujeita.
“Disseram que eu podia tirar leite e eu expliquei que não estava a conseguir, mas que se a colocasse no peito, ela podia agarrar e estimular e seria mais fácil”, acrescentou.
Não ter amamentado durante as primeiras 30 horas significa também que a recém-nascida foi alimentada sem permissão dos pais com leite em pó: “Ninguém me pediu absolutamente nada”, reforçou Ana Jael Tavares.
A portuguesa, que entretanto conseguiu voltar a ver hoje a filha, encontra-se num quarto com três pessoas, entre parturientes e mulheres que se submeteram a outras cirurgias, numa situação excecional gerada pelas medidas de prevenção contra a covid-19.
“No meu quarto todas as mulheres que aqui estão são chinesas. Penso que há uma que também teve bebé, mas não vejo ninguém a queixar-se. Aliás, a questão é mesmo que até [entre] portuguesas que soube que tiveram bebé, nunca tinha ouvido ninguém falar sobre isto”, referiu.
Neste sentido, a presidente da APACIM, Virginia Tam, chama a atenção para a população de Macau “que geralmente é muito obediente”: “Em geral, permite o que as autoridades impõem”, disse.
À Lusa, o Governo confirmou a separação das mães e crianças, justificando a decisão com “a situação da pandemia”.
“É necessário atender às necessidades médicas urgentes para o tratamento de casos graves urgentes, mas também proteger a segurança e a saúde da mãe e recém-nascido. Portanto, ter um quarto conjunto com mãe e recém-nascido não pode ser feito por enquanto”, escreveram os Serviços de Saúde de Macau, num email enviado à Lusa, realçando que o CHCSJ vai tentar reverter a situação o “mais rápido possível”.
O departamento sublinhou, no entanto, que, para as mães que pretendem amamentar, “o pessoal de enfermagem recolherá e armazenará o leite materno de acordo com as especificações previstas, e então o recém-nascido será alimentado, por uma enfermeira especializada, com o leite materno”, frisou.
Macau, que à semelhança do interior da China seguiu até recentemente a política de ‘zero covid’, apostando em testagens em massa, confinamentos de zonas de risco e quarentenas, anunciou em dezembro o cancelamento da maioria das medidas de prevenção e contenção, após quase três anos das rigorosas restrições.
O território vive o pior surto desde o início da pandemia. De acordo com dados do Governo, até ao início do mês 250 mil pessoas, ou seja, 37% da população local, declarou a doença.
Estimativas apontam que o número de infetados no total da população de Macau rondam os 60% a 70%.
De acordo com os Serviços de Saúde de Macau, 89 pessoas morreram de covid-19 desde o início da pandemia.