A empresa imobiliária Spinumviva, fundada pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, agora pertencente à sua mulher e filhos, tem sede na sua habitação em Espinho, Aveiro. Através do cruzamento de dados do site Racius – Informação Empresarial pode concluir-se que a sede da empresa da família Montenegro coincide com a morada da casa do primeiro-ministro, em Espinho. Após tomar conhecimento sobre este assunto, o CHEGA entregou na terça-feira no Parlamento uma moção de censura ao Governo. Mas até ao fecho desta edição, Montenegro apenas remeteu esclarecimentos sobre “a situação política interna” para o debate da moção de censura, agendado para hoje, sexta-feira, pelas 15 horas. Avança o Correio da Manhã que a mulher e os dois filhos do primeiro-ministro são sócios na Spinumviva. Como a empresa poderá beneficiar com a alteração à Lei dos Solos aprovada pelo Governo e Montenegro é casado em comunhão de adquiridos com a principal sócia da firma, o primeiro-ministro está numa situação de potencial conflito de interesses, uma vez que também beneficiará dos eventuais lucros que a mulher retirar do negócio de imóveis.
Note-se que o Governo aprovou em Conselho de Ministros, a 28 de novembro de 2024, uma alteração da Lei dos Solos que permite reclassificar os solos rústicos em solos urbanos, e na qual participou Montenegro. O primeiro-ministro é mesmo um dos subscritores do decreto-lei n.º 117/2024, publicado em Diário da República a 30 de dezembro, que consagra a alteração dessa lei.
“Podemos concluir que o primeiro-ministro de Portugal que legisla, que atua no âmbito da Lei dos Solos, é o mesmo que tem uma empresa que pode beneficiar da lei”, disse o Presidente do CHEGA, acrescentando que a atitude de Montenegro “é uma absoluta incongruência”.
“Não só da nossa parte, mas sobretudo da parte da sociedade civil técnica, inclusive advogados, solicitadores e juristas, lançaram-se dúvidas que adensam a questão da integridade do primeiro-ministro face às funções que exerce”, acrescentou André Ventura.
Nesta senda, o líder do CHEGA referiu que a faturação da empresa da família do primeiro-ministro é “muito acima da média” e que é preciso saber de onde vieram os rendimentos. “Não se sabe quem são os clientes dessa empresa, que faturou quase 700 mil euros em dois anos”, alegou Ventura. De acordo com o jornal Página Um, a empresa da família Montenegro, fundada no início de 2021, faturou cerca de 650 mil euros em apenas dois anos de plena atividade e teve lucros na ordem dos 345 mil euros.
A Spinumviva tem como uma das atividades o “comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda”. Só em 2022, a empresa da família Montenegro, com duas pessoas em funções (uma a tempo inteiro e outra a tempo parcial), faturou 415 mil euros, o que dá uma média de 162 euros por hora de trabalho. “É aviltante que um primeiro-ministro possa ter em sua casa a sede de uma empresa que poderá ter feito negócios com o Estado” e “nunca antes isto se passou com anteriores chefes de Governo”, declarou o Presidente do CHEGA. O CHEGA entregou na terça-feira no Parlamento uma moção de censura ao XXIV Governo Constitucional por considerar que recaem sobre o primeiro-ministro “suspeitas gravíssimas de incompatibilidade” no exercício de funções públicas.
Na moção de censura intitulada “Pelo fi m de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave”, o CHEGA argumentou que está em causa um “cenário de total e generalizada descredibilização do Governo e do primeiro-ministro” que deve resultar na demissão do executivo minoritário PSD/CDS-PP. “Se até aqui os problemas surgiam pela mão de governantes diversos, desta vez é o próprio primeiro-ministro quem mancha a reputação e a imagem do país, tanto interna, como externamente”, escreveu o partido liderado por André Ventura. O líder do CHEGA exigiu também que o Presidente da República encare as atuais condições políticas do primeiro-ministro para se manter em funções e recusou estar a desviar atenções das questões que atingem o seu partido.
“Não me recordo de um outro primeiro-ministro com uma sede de empresa em sua casa. Permitirá ao líder do PSD que exija aos outros líderes e aos outros partidos respostas, mas que olhe para o lado e se esconda num caso que toca diretamente o seu património e o património familiar, colocando-nos ao nível dos piores exemplos da Europa de Leste e da África Subsaariana em matéria de corrupção e de cumplicidade de interesses?”, perguntou. Na quarta-feira, o Correio da Manhã avançou com a notícia de que o negócio jurídico da venda da quota de Luís Montenegro à mulher na empresa da família, em 30 de junho de 2022, é nulo, por ser proibido pelo Código Civil.