O Centro de Estudos Sociais de Coimbra está a investigar denúncias de assédio envolvendo dois membros da academia, entre eles o sociólogo Boaventura Sousa Santos, que nega qualquer comportamento inapropriado, noticia hoje o Diário de Notícias (DN).
Segundo o jornal, as acusações constam de um artigo num livro sobre assédio sexual na academia, em que os dois membros do Centro de Estudos Sociais de Coimbra são acusados de usarem o seu poder sobre jovens estudantes e investigadoras para “extractivismo sexual”.
O artigo do livro acusa também a instituição de silenciamento e cumplicidade.
O livro, intitulado Sexual Misconduct in Academia – Informing an Ethics of Care in the University (Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade), foi disponibilizado ‘online’ a 31 de março.
As autoras do artigo, a belga Lieselotte Viaene, a portuguesa Catarina Laranjeiro e a norte-americana Myie Nadya Tom, estiveram no CES como, respetivamente, investigadora de pós-doutoramento (com uma bolsa Marie Curie) e estudantes de doutoramento.
De acordo com o DN, o último dos 12 capítulos descreve acontecimentos ocorridos numa instituição que, não sendo nomeada, “é facilmente identificada, até por ser a única em comum no percurso das três autoras, como sendo o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra”, escreve o DN.
Segundo o jornal, “também não é difícil perceber que os dois homens referidos nesse capítulo como protagonizando condutas sexuais inapropriadas, crismados na narrativa como “The Star Professor” (o professor estrela) e “The Apprentice” (o aprendiz) são, respetivamente, o sociólogo Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, e o antropólogo Bruno Sena Martins, investigador do quadro da instituição”.
Confrontados pelo DN, ambos assumiram reconhecer-se como retratados sob essas denominações, mas refutam as acusações.
“É evidente que [o artigo] se refere ao Centro de Estudos Sociais”, escreve Boaventura Sousa Santos (BSS), na resposta que deu ao jornal, na qual diz ser o CES “um alvo apetecível por muitas razões”.
Frisando que o texto “foi certamente escrito sob aconselhamento jurídico para, não mencionando nomes, evitar ardilosamente queixas judiciais”, o sociólogo vê-se como alvo de “cancelamento”.
“Nas instituições académicas norte-americanas tornou-se um pesadelo. Colegas (homens e mulheres) injustamente acusados e até ilibados em processos judiciais internos (caso do Professor Comaroff) continuam a ser vilipendiados. Pelos vistos, vai-se alastrando pelo mundo”, escreve.
Diz ainda que o que é descrito é “uma distorção e uma falsificação da realidade” a seu respeito e a respeito do CES.
“O ambiente académico de proximidade e de crescimento coletivo que criámos ao longo de décadas é arrasado de uma maneira vil e inqualificável. (…) O artigo é um típico produto de um ataque ‘ad hominem’ em que o mundo académico começa a ser fértil”, escreve ainda, acrescentando: “o objetivo é lançar lama sobre quem se distingue e luta por um mundo melhor”.
Boaventura Sousa Santos lamenta ainda: “Aos 82 anos de idade julgava ter direito a um pouco de paz, mas infelizmente o mundo em que vivemos não permite que isso suceda”.
Certificando ainda que “quando houver conduta menos correta as instituições devem atuar” e que “o CES tem um Código de Conduta, uma Comissão de Ética e uma Provedoria”, garante que os factos de alegada conduta menos ética mencionados “nunca foram apresentados aos órgãos do CES.”
Também Bruno Sena Martins exprime a sua indignação na resposta enviada ao jornal: “Não resta dúvida que a intenção das autoras é a de me expor, sem a coragem de dizer o nome, e que eu seria a pessoa designada por “Apprentice”.
“Ao contrário do que o capítulo ora publicado ardilosamente pretende insinuar, quero reiterar que em momento algum agredi física ou sexualmente [uma das autoras do artigo] ou qualquer outra pessoa.”, escreve, lembrando que “em nenhum momento” foi alvo de queixa, na academia, por assédio ou comportamentos inapropriados.
As três autoras do artigo estão agora noutras instituições universitárias. Viaene é professora na Universidade Carlos III, em Madrid, Laranjeiro está como investigadora no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova e Tom é professora na Universidade de Nebraska, em Omaha, EUA.
Contactadas pelo DN, recusaram fazer qualquer comentário.