O único documento oficial que as autoridades portuguesas emitem, em resposta às solicitações das famílias dos desaparecidos do navio “Angoche”, que foi encontrado à deriva, data de 27 de Dezembro de 1974, em pleno Gonçalvismo, e que diz, em resumo, o seguinte disparate:
“Em resposta à carta enviada para o Sr. Presidente da Republica (…) tenho a honra de levar ao conhecimento de V.Exas as diligências levadas a cabo no sentido de ser apurada a verdade sobre do caso “Angoche”.
Assim, foi encarregado um oficial deste gabinete de proceder a averiguações e este, depois de examinar os vários relatórios do Comando Naval (…) e da extinta DGS e ainda com base nas informações colhidas em Lusaka pelo dr. Mário Soares, junto da Frelimo e do governo da Tanzânia chegou à seguinte conclusão:
A existir algum sobrevivente, hipótese extraordinariamente remota, este não está interessado em dar-se a conhecer.
Apresento V. Exas os melhores cumprimentos “
Ou seja,” as diligências levadas a cabo no sentido de ser apurada a verdade” resumiram-se a nomear um oficial, oficial fantasma, cujo nome nem sequer é conhecido.
E ainda “com base nas informações colhidas em Lusaka pelo dr. Mário Soares, junto da Frelimo e do governo da Tanzânia”: Ora não sabíamos que Mário Soares era detective, mas sabemos que a Frelimo nunca reivindicou esse ataque, e que se o tivessem perpetuado não podia deixar de propagandear esse ataque. E também sabemos que a sede do governo da Tanzânia é em Dar-es-Lam e Lusaka fica na Zâmbia.
E finalmente o maior disparate: “A existir algum sobrevivente, hipótese extraordinariamente remota, este não está interessado em dar-se a conhecer.” Como se pode saber se uma pessoa está ou não interessada, se não sabemos se está viva ou morta? Esta conclusão idiota é um insulto às famílias dos tripulantes!
Por falar em Mário Soares, não foi ele o homem do célebre abraço de Lusaka? E não foi ele que continuamente dizia “ainda é cedo para abrir o dossier da descolonização” ? Alguma vez foi aberto?
Metzer Leone, jornalista do “Diabo” levou a cabo uma investigação minuciosa sobre este navio e o desaparecimento de toda a população. Onde estão estes 23 trabalhadores e se os mataram, quem os matou?
O Comandante Vitor Crespo, do Conselho da Revolução, foi várias vezes acusado por Leone, de conivência no encobrimento do destino da tripulação. Este jornalista foi alvo de vários processos judiciais, por vários abusos de liberdade de imprensa. Mas o fulcro da questão – as responsabilidades deste comandante, nunca foram afloradas em julgamento. Mais:
Leone convidou, por esse motivo, Vitor Crespo para um debate na RTP, a fim de debaterem o assunto perante a opinião pública portuguesa. Este nunca aceitou o convite.
Antes havia censura. Era um facto. Agora o Estado utiliza os Tribunais contra a liberdade de imprensa que ele próprio instituiu como sendo a grande vitória da democracia. A hipocrisia não tem limites.
Não posso deixar de transcrever as palavras do dr. Bernardino Gomes, secretário de Mário Soares, quando foi interpelado pela mulher do 1º oficial de máquinas do Angoche:
“- Nós só sabemos que puseram uma bomba no “Angoche”. E se a senhora quer saber mais alguma coisa, olhe: arranje um advogado, ou vá para os jornais.”
Entretanto também desapareceu “misteriosamente” na Assembleia da República uma petição com mais de seis mil assinaturas, entregue neste órgão pelos familiares dos tripulantes desaparecidos, solicitando eu o assunto fosse ali discutido, quando era Presidente desse órgão o socialista Vasco da Gama Fernandes. Todavia a palavra “Angoche” nunca foi pronunciada no Palácio de Belém. Porque será?
Algum dia saberemos?
Nota: Dedicado à Metzner Leone, que tinha 60 anos aquando do 25 de Abril e atirou-se como uma fera a defender Portugal e a enfrentar os “tubarões”. Faleceu sem ter visto o seu sonho realizado: Portugal grande, outra vez.