Para Aristóteles, referindo-se também a questões de moral, a excelência era um hábito. Temos duas opções cada vez que nos deparamos com uma mentira, uma indignidade ou uma injustiça – falar ou calar. Podemos tornarmo-nos um pouco melhores, edificar gradualmente a nossa alma e sermos mais verdadeiros, íntegros ou corajosos nessas alturas em que, cedo ou tarde, os sinuosos trilhos da vida fatalmente se bifurcam e nos apresentam uma oportunidade de escolha. Engrandecemo-nos ou diminuímo-nos um pouco mais, em função dessas mesmas escolhas. A cegueira voluntária, um confortável mecanismo psicológico de acordo com o qual nos recusamos a reconhecer alguma verdade inconveniente que dolorosamente exige ser encarada, pode dar-nos algum alívio temporário – mas jamais resistirá à destruidora confrontação com os factos, ao implacável teste da realidade.
É preciso olhar Portugal de frente e traçar-lhe com justiça o implacável retrato: uma terra devastada de espetros, aguardando a noite do esquecimento gentil. Somos hoje um país endividado, envelhecido, disfuncional e desmotivado. Não temos ânimo para o futuro, evitamos o presente e desdenhamos o passado. Como uma acusação silenciosa, emigram os que emigram (os que ousam, e os que já não ousam ficar; os que podem, e os que já não podem mais; os que ainda sonham, e os que já não sonham mais – tragicamente, e em números crescentes, acusatórios e cruéis: a geração mais nova, ativa e capaz) – todos os outros estagnam. Definhamos mansamente juntos num desespero silencioso, sem orgulho, sem glória e sem legado. E constatamos que não há uma única área governativa funcional (menos ainda exemplar), que possamos vindicar. A justiça está parada, a educação desperdiçada, a segurança quebrada, a economia estagnada, a saúde despojada, a natalidade esgotada. Cinquenta anos depois do 25 de abril, o que é que ainda podemos dizer de abonatório deste regime? Que é democrático, nos trouxe a liberdade e nos aproximou da Europa? Mas há mais Democracia para além desta nossa democracia, cuja génese socialista, estatizante e centralista, como um defeito de nascença, desgraçadamente nunca superámos. E há mais Liberdade para além desta nossa liberdade, castradora e excludente, abertamente hostil à direita política e às vozes divergentes, fortemente limitada na prática por tabus sociais arreigados, que um ensino doutrinariamente progressista (particularmente, nas universidades) e uma comunicação social arregimentada, alinhada e reverente energicamente proselitizam. Há ainda mais Europa para além desta europa monolítica, burocrática e federalizante, que acriticamente cultuamos com o atavismo dos prosélitos recém-convertidos, sem voz autónoma ou presença ativa (Portugal é um país atlântico, tanto ou mais que mediterrânico, e as visões imperiais continentais – de Carlos Magno à Federação de gabinetes – sempre nos foram alheias, semelhantemente ao que acontece com Reino Unido, tal como nós uma nação histórica e culturalmente marítima).
Seremos ao menos mais prósperos do que no passado? Mais jovens, mais justos, mais iguais, enérgicos ou felizes? Os números falam por si: 22,4% da população vive hoje em risco de pobreza (42% estariam nessa situação sem os apoios do estado! – números da EAPN e do Observatório das Desigualdades); seremos, em 2050, o 4o país mais envelhecido do mundo, com 40% da população acima dos 60 anos (relatório das Nações Unidas); somos o 2º país mais desigual da Europa (e o 5º da UE), superados apenas pela Bulgária, em que 5% da população detém 42% da riqueza nacional (Fundação Francisco Manuel dos Santos). Quanto aos índices de felicidade, nos quais não acredito, por não tratarem de uma variável objetivamente mensurável, partilharei apenas a minha convicção pessoal, que a análise dos factos impõe: há um instinto procriador que a pobreza e o sentimento ominoso de decadência generalizada embota. Em qualquer recanto da sua inconsciência, ou mesmo conscientemente, os portugueses não têm filhos (ou têm poucos, em números insuficientes para a renovação demográfica) porque acham que não vale a pena tê-los.
Em suma, tudo o que concebivelmente podia correr mal, já correu pior. Nestas circunstâncias, pergunto: o que teremos a perder com a mudança? O que há assim de tão importante a preservar para que uma rutura seja vista com tal desconfiança, antipatia e medo? De que vale ser anti-anti-sistema (anti-CHEGA, anti-mudança, anti-regeneração), se o sistema vale tudo isto? Nunca votei no socialismo, não tenho esse crime na consciência – mas isso hoje já não é o bastante. Por Portugal e por todos nós – pela dignidade da memória dos que cá estiveram antes, mas principalmente pelo alento dos sonhos dos que vierem depois (não será a História um pacto entre os mortos, os vivos e aqueles ainda por nascer, como afirmou Edmund Burke?) – há que mudar radicalmente de rumo.
Há que votar CHEGA!