Na sessão do julgamento de hoje, que deverá ser a última antes da sentença, o procurador Paulo Vieira destacou o papel “importante da banca na economia” e como “a atividade económica assenta em relações de confiança” para manifestar a esperança de que este processo contribua para que as famílias e empresas tenham mais confiança no setor bancário.
“Esperamos que este processo venha a contribuir para o reforço da reputação do setor bancário no seu todo, através da visibilidade pública das suas condutas passadas, do papel fundamental da intervenção dos reguladores e do sistema judiciário, das condutas corretivas, entretanto, implementadas”, disse.
O Ministério Público considerou ainda que este processo demonstrou que a partilha de informação entre os bancos teve efeitos no mercado “com clientes prejudicados”, ao pagarem preços no crédito mais elevados. Ao mesmo tempo, a partilha de informação permitiu aos bancos “dar créditos com maior segurança” por conhecerem a posição competitiva dos concorrentes.
O procurador disse ainda que há bancos que “continuam, contra a evidência, a negar a motivação e conhecimento hierárquico dessas práticas” e aludiu aos “ótimos resultados” dos bancos, desde logo em 2023, para considerar que isso poderia “em abstrato levar a ponderar um agravamento das coimas porque grande parte desses proveitos estão diretamente relacionados com o crédito à habitação”, um segmento de crédito alvo das práticas pelas quais os bancos foram sancionados pela Autoridade da Concorrência.
O Ministério Público falou ainda das comissões bancárias para considerar que, na sequência da subida das taxas de juro “de forma substancial”, se esperava uma descida das comissões cobradas pelos bancos mas que isso não aconteceu e que, da informação existente, o único que reduziu marginalmente as comissões foi a Caixa Geral de Depósitos (CGD).
“E isto diz tudo sobre este setor. É um setor que tem uma necessidade especial e aguda de intervenção quanto a estas matérias, de se tornar mais competitivo”, afirmou.
No fim da sua intervenção, o Ministério Público manifestou-se sobre as coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência em 2019, considerando genericamente adequadas até tendo em conta os resultados dos bancos em 2023.
Paulo Vieira referiu-se especificamente à situação do BCP, afirmando que nas alegações de 2022 defendeu que a coima não deveria afetar a sua solidez financeira (numa altura de recuperação pós-pandemia e em que banco tinha problemas na operação na Polónia) mas que hoje, e perante resultados do ano passado, “essa situação está perfeitamente esbatida”.
Assim, considerou adequadas e de manter as coimas de CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões de euros), Santander Totta (35,6 milhões de euros). Quanto ao BPI, considerou adequada (30 milhões de euros) mas admitiu uma “redução marginal” face à postura do banco no processo e assunção de responsabilidades.
Considerou ainda adequadas as coimas de BBVA (2,5 milhões de euros), Caixa Central de Crédito Agrícola (350 mil euros) e de UCI (150 mil). Quanto à coima do BIC (500 mil euros) admitiu uma “redução marginal”.
No banco Montepio considerou que atendendo a ser uma entidade com componente social e mutualista, à postura no processo e à situação “algo débil” deve ter como máximo de coima os 4,8 milhões de euros.
Para o BES, defendeu uma coima “meramente simbólica” atendendo que está em liquidação.
O Barclays como foi o que divulgou a concertação de informação e pediu clemência deverá ser dispensado de qualquer coima.
Desde outubro de 2021, decorre no Tribunal da Concorrência o julgamento de recurso de 11 bancos dos multados, em 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC) pela prática concertada de troca de informação sensível no crédito.
Segundo o regulador, entre 2002 e 2013, mais de 10 bancos partilharam informação entre si, nomeadamente tabelas das taxas ‘spreads’ (margem de lucro comercial) a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e os volumes de produção, tendo-os multado no total em 225 milhões de euros.
Em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu factos como provados mas, ao mesmo tempo, decidiu suspender a instância e remeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para que este se pronunciasse sobre se os factos constituíram restrição de concorrência por objeto, por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.
Em julho deste ano, o tribunal europeu admitiu que a troca de informações mantida pelos bancos durante mais de uma década “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto”.
Após esta interpretação do tribunal europeu, cabe agora ao Tribunal da Concorrência decidir se os factos são ou não uma “restrição por objeto” – geralmente os tribunais nacionais seguem o entendimento do tribunal europeu – e decidir as coimas a aplicar aos factos provados (se se mantêm ou são revistos os valores da Autoridade da Concorrência).