A decisão de não admitir a queixa de Sánchez, que acusou o juiz Juan Carlos Peinado de prevaricação, foi tomada por unanimidade por um coletivo de magistrados e divulgada hoje pelo Tribunal Superior de Justiça de Madrid (TSJM).
O TSJM disse não ver motivos para dar seguimento à queixa e avançar com uma investigação.
“Conceber como um ataque desnecessário à atuação do Governo a notificação na qualidade de testemunha do seu presidente num processo penal carece da mais elementar justificação”, lê-se na decisão do coletivo de juízes do TSJM.
A queixa foi apresentada em nome de Sánchez pela Advocacia Geral do Estado, um órgão que, em Espanha, está integrado na estrutura do Governo e que noutros países, como Portugal, está dentro das competências do Ministério Público.
Um dos juízes do TSJM fez mesmo uma declaração de voto pessoal, que foi também divulgada hoje pelo tribunal superior, em que defende que deve ponderar-se uma multa à Advocacia Geral do Estado pela queixa que apresentou em nome do primeiro-ministro.
Para este juiz, está em causa um “abuso do direito de queixa”, “má-fé processual” e uma queixa “arbitrária e gratuita”, além de totalmente desprovida de fundamento.
O magistrado acrescenta que foi ainda uma iniciativa que prejudicou “seriamente o clima de serenidade” que deve ter e ser garantido ao poder judicial.
“Não consigo compreender que danos pode causar à ‘dignidade da Presidência do Governo’ que o seu titular compareça como testemunha presencialmente, e não por escrito, perante um magistrado que desempenha a sua função no seio e com as garantias de um Estado de Direito”, escreveu o juiz, na sua declaração de voto.
Pedro Sánchez apresentou em 30 de julho uma queixa na justiça, por prevaricação, contra o juiz que o impediu de testemunhar por escrito no caso que envolve a mulher, Begoña Gómez.
Sánchez queixou-se de que o juiz Juan Carlos Peinado não respeitou a lei do processo penal, que prevê que o chefe do Governo testemunhe por escrito quando está em causa um processo relacionado com o exercício do cargo.
No texto da queixa, lia-se que o juiz recusou a Sánchez a possibilidade de testemunhar por escrito “sem explicação alternativa” e que o magistrado está a prosseguir com diligências sem ter “um mínimo indício” que as justifiquem, gerando um “descrédito gratuito” e desprestigiando a instituição da Presidência do Governo de Espanha.
Sánchez tinha dito estar disponível para prestar declarações por escrito, mas o juiz recusou essa possibilidade, argumentando que foi convocado para testemunhar por ser marido de Begoña Gómez e não por ser primeiro-ministro.
O juiz manteve assim a decisão de recolher o testemunho de forma presencial, numa declaração oral que teria de ser gravada e que decorreria dentro do Palácio da Moncloa, a sede da Presidência do Governo, em Madrid.
O magistrado, representantes do Ministério Público, advogados das defesas e uma advogada do partido de direita radical Vox, em representação das “acusações populares” que se constituíram neste caso, deslocaram-se por isso à Moncloa para recolher o testemunho de Sánchez, que acabou por invocar o direito ao silêncio de testemunhas quando estão em causa investigações relativas aos seus cônjuges.
A investigação de que é alvo Begoña Gómez tem como base queixas de associações ligadas à direita radical e centra-se, em particular, na sua relação profissional com um empresário cujas empresas negociaram ajudas públicas ou participaram em concursos públicos num período em que Pedro Sánchez já era primeiro-ministro.
Esta investigação foi o motivo que levou Sánchez a ponderar demitir-se no final de abril, afirmando-se vítima, com a família, de uma “máquina de lodo” que difunde mentiras e desinformação na Internet que são depois levadas para o debate político pela direita e judicializadas com queixas de associações extremistas.