“Um Mundo Artificial”

Deambulando pela sociedade moderna como Cesário Verde deambulava pelas ruas de

Lisboa, não posso deixar de notar o cheiro a decomposição, degradação e desmoralização

que o mundo faz questão de nos proporcionar de belo agrado. Não só abordando a

essência de especiarias indianas que sinto a quando dos transportes públicos e pelas

caminhadas que realizo pela minha vila, abordo aqui a degradação da massa encefálica

que presencio assim que analiso os jovens da minha idade. Um excesso de cultura woke,

tecnologia e alta taxa de consumo são os pilares para uma geração perdida a nível crítico e

cultural.

Falo de uma geração que, em vez de embriagada por filosofia, arte ou literatura, parece

anestesiada por uns breves “scrolls” nas redes sociais. O que poderia ser um acesso fácil

a conhecimento ilimitado, tornou-se nos dias de hoje um labirinto de distrações, onde o

pensamento e as opiniões foram sacrificadas em prol de uma velocidade de dopamina

instantânea. Confesso que mesmo procurando a fundo a origem deste problema

civilizacional, não culpo de todo a tecnologia, uma vez que a mesma é me adquirida com a

mesma proporção que aos cegos de que falo e, no entanto, não me deixei levar. Ainda

assim, seria ingenuidade minha negar que a tecnologia desempenha um papel

fundamental nesse fenómeno, programas como a mais recente Inteligência Artificial

retiram-nos por completo a ação de pensar e realizar e mais que isso, o ser humano

egocêntrico por Natureza ainda procura levar a coroa de louros nesse processo. Um belo

exemplo é: O que lhe garante a si leitor que esta minha análise não é apenas um texto

copiado pelo Chat GPT?

Comprovo deste modo que vivemos então na sociedade mais artificial e confusa que

alguma vez a civilização experienciou, e daqui para a frente só piora.

A propósito de artificialidade tecnológica, ingressamos no belo mundo das redes sociais,

onde cada like é um sorriso, cada comentário é uma palpitação e a resposta a um story já

é tomada como um convite para saír. Manipulados como carneiros como já estamos

cansados de saber, continuamos na mesma em busca dessa validação mesmo sabendo

que é errado, porque saír da sua zona de conforto é pedir muito para um ser humano.

Dentro do Instagram, do X, do Facebook surgem os aclamados “Cristos dos Tempos

Modernos” que as pessoas assumem como um modelo a seguir. Para as mulheres

sugerem que roupas usar, que cremes comprar e um manual de como ser uma mulher

forte e independente. Para os homens sugerem quantos exercícios fazer no ginásio, qual é

a melhor proteína para ganhar músculo nos gémeos e como ser um empregado

doméstico. Estes modelos tiram-nos por completo a individualidade e a originalidade de

cada pessoa, mas não faz mal, afinal quanto mais seguir o “Cristo dos Tempos Modernos”,

mais likes vou ter e mais felicidade instantânea vou conseguir atingir.Incluída na oratória destes Santos Mártires das estatísticas das redes não pode faltar o

discurso politicamente correto da Cultura Woke. Quase como as Leis das XII Tábuas do

Império Romano, esta Cultura tem todo um discurso que deve ser seguido à risca para que

mais facilmente cheguemos a um belo império de censura e manipulação. O pensamento

crítico cede espaço à reação imediata, enquanto que a complexidade das questões é

esmagada por discursos polarizados e simplistas. Em vez de fomentar debates ricos e

transformadores , mantem-se uma corrida por validação moral, tão superficial como o

feed das redes sociais.

Adicionemos a esta tese o consumismo, que com ele traz uma alegria prometida através

da compra. Para a sociedade moderna a felicidade está sempre à venda. Um mundo em

que um livro é comprado para embelezar a estante, em que a música é apenas um pano de

fundo para a viralização de videoclipes sem nexo onde se promove as drogas, o sexo e o

assassinato.

Este cenário, no entanto, não é irreversível. A História está cheia de momentos de grandes

mudanças no paradigma político e social. Talvez estejamos apenas no prelúdio de uma

distopia ou de uma transformação humana. Quero acreditar que estamos no

início de um movimento de resistência face ao que foi descrito ou ao que ainda está por vir.

O primeiro passo para essa mudança é simples, consiste na rejeição total do progressismo

a que estamos expostos e no resgate da contemplação. Falo numa redescoberta de um

livro que tenha sido lido à pressa, de uma conversa não interrompida pelas notificações,

de um momento que não precisa de ser capturado ou compartilhado…

Se Cesário Verde andasse pelas ruas de hoje, talvez escrevesse sobre a beleza escondida

em meio a tanto caos artificial. E, talvez com ele possamos aprender a olhar para o mundo

com olhos críticos, mas também com esperança. Porque no meio de tanto lixo

decomposto ainda pode ser possível sentir o íntimo cheiro da esperança.

Que 2025 seja um ano de mudança para Portugal.

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