Portugal tem-se afirmado discretamente resiliente num mundo a braços com crises energéticas, inflação e convulsões geopolíticas. No ano passado, o país assegurou 71% das suas necessidades de electricidade com energia renovável – um feito que poucas outras nações podem igualar, ainda que a maior parte da energia consumida seja oriunda de combustíveis fósseis.
Enquanto grande parte da Europa se esforçava para lidar com o disparar dos preços da energia e os choques de abastecimento no pós invasão da Ucrânia, os consumidores nacionais sentiram comparativamente pouco impacto. Não foi por acaso, mas sim, a recompensa por décadas de preparação e investimento estratégico no sector da energia.
No entanto, este conto ainda não chegou ao fim, pois Portugal encontra-se num momento crítico: a dependência remanescente de combustíveis fósseis importados representa um risco sério – risco esse que poderia ameaçar os ganhos feitos até agora.
Igualmente, todos os riscos comportam oportunidades: em jogo está o alcançar da independência energética plena e potencialmente, mesmo transformar Portugal num agente nevrálgico no futuro energético da Europa.
Não se trata apenas de isolar Portugal da instabilidade energética global, trata-se de posicionar o país como líder no panorama energético mediterrânico, formulando políticas, promovendo parcerias internacionais e promovendo o investimento regional. Com a sua posição geográfica e diplomática única, Portugal poderia liderar a cooperação energética mediterrânica. O Sul da Europa tem um potencial inexplorado de acesso a vastas reservas de gás natural da Líbia e do Levante. No entanto, os conflitos, a instabilidade política e diplomacias fragmentadas, impedem mais desenvolvimento.
A diplomacia tem sido negligenciada nas últimas décadas, com governos socialistas seguindo acriticamente as políticas beligerantes de Bruxelas – incluindo sanções contra metade de África e a maioria do Médio Oriente. O actual governo de Portugal pode mudar tudo isso e até assumir um papel de liderança, fomentando o diálogo e promovendo parcerias energéticas entre o Norte de África e a Europa. Tal exigiria uma política externa mais pragmática e independente. Actualmente, a postura de confrontação da UE em relação a certos países exportadores de energia, incluindo a Líbia e a Argélia, complicam a diplomacia. Para mitigar esta situação, Portugal poderá ter de repensar os seus compromissos em matéria comunitária de modo a facilitar uma abordagem mais flexível. Contrariando a imagem frequentemente propagada pela Esquerda e pelo sistema, existem exemplos de líderes mundiais do sector energético investindo também na transição sustentável. Do ponto de vista dos membros da OPEP, a transição energética é inevitável e investindo desde cedo em energias mais sustentáveis, os fundos soberanos do Golfo continuarão a lucrar mesmo quando os combustíveis fósseis caírem em desuso.
Tomemos a Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) como exemplo: os Emirados investem fortemente em tecnologias de baixo carbono. A empresa como um todo tem um fundo de investimento de $150 mil milhões quinquenais aberto a investimentos em qualquer parte do mundo. Concretamente, o fundo XRG conta com um capital de $80 mil milhões para investir em e adquirir tecnologia de baixas emissões, empresas de gás natural e do sector químico. A Alemanha lucrou recentemente com um investimento do XRG, na ordem dos €14,7 mil milhões, tornando os emirados no accionista maioritário da Covestro – um gigante conglomerado químico. Trata-se dos primeiros passos da nova estratégia “Futuro Sustentável”, que pretende assegurar o futuro financeiro das monarquias do Golfo, em consonância com a agenda climática da UE, que tenciona alcançar Zero Emissões (de carbono) até 2045. Se tal objectivo é sequer exequível é questionável, mas o investimento estrangeiro é crucial para produzir capital suficiente para lidar com os piores efeitos das políticas de Bruxelas, as quais têm resultado numa crise energética interminável e em desindustrialização. Para a Alemanha, especificamente, este tipo de investimento directo externo serve, adicionalmente, para garantir a diversificação energética; algo vital para contrabalançar os efeitos nefastos de uma série de decisões como o encerramento de centrais nucleares e as sanções à importação de gás natural barato russo através da Ucrânia. No passado mês de Dezembro, o tempo nublado prolongado e sem vento acarretou problemas para a uma rede eléctrica excessivamente dependente da ‘energia verde’, fazendo disparar os preços da energia para o nível mais alto registado em 18 anos.
Portugal poderia adotar iniciativas semelhantes às dos países do Golfo, investindo estrategicamente em tecnologias sustentáveis e fomentando parcerias transfronteiriças. Os laços históricos de Portugal com a CPLP apresentam outra via pouco explorada pois Angola e Moçambique são ricos em recursos energéticos fósseis. Portugal pode alavancar parcerias com estes países, criando acordos comerciais mutuamente benéficos que inseridos na sua estratégia sustentável. Para realmente concorrer com o potencial industrial da Europa do Norte, Portugal deve continuar a defender um corredor mediterrânico de energia. Esta iniciativa reforçaria os laços energéticos com a Itália, a Grécia e Norte de África, dando à Europa do Sul uma vantagem competitiva em matéria de preços.
O potencial de Portugal em matéria de energias renováveis continua a ser vasto. Embora a energia eólica onshore tenha sido uma pedra angular da estratégia para as energias renováveis, o potencial eólico offshore do país representa uma inexplorada mina de ouro. Graças ao clima ensolarado de Portugal – contando com alguns dos níveis mais elevados de exposição solar da Europa – há ainda oportunidade de expandir o volume de energia solar, com regiões como o Alentejo e Algarve, expectantes para investimentos em grande escala.
O sucesso dos investimentos em energia eólica e solar dependerá fortemente da modernização da rede e do armazenamento de energia – tendo em conta que o sol nem sempre brilha e o vento nem sempre sopra. Mantendo a dinâmica das energias renováveis em Portugal e reduzindo ainda mais a dependência de combustíveis fósseis importados, os decisores políticos devem continuar a dar prioridade às energias renováveis nos debates a nível nacional e comunitário. Os processos de licenciamento devem ser simplificados para minimizar os atrasos burocráticos. O investimento privado pode ser incentivado através de créditos fiscais ou empréstimos a baixos juros, mantendo a tónica na pesquisa e desenvolvimento de novas energias.
Num mundo cada vez mais marcado pela incerteza energética, Portugal mantém-se como a prova de que é possível um caminho prudente e precavido, em contraste com a irresponsabilidade megalómana e utópica das Gretas e dos activistas climáticos. Portugal está assim bem posicionado para incrementar a cooperação energética e potenciar o desenvolvimento industrial da Europa meridional.