Um país em cinzas, uma vez mais. Casas, animais, florestas inteiras devoradas. O cenário repete-se como um ritual macabro que todos já sabemos de cor, mas fingimos que é apenas azar ou fatalidade. Não é. O que ardeu este verão foi também a confiança num Estado que parece ter desistido de proteger o seu território.
E ficam as perguntas que ecoam no silêncio. Perguntas que ninguém ousa responder.
Por que é que os bombeiros tiveram ordens diretas de Lisboa para “deixar arder”? Por que é que o fogo não podia ser combatido na área de floresta, quando houve falhas gritantes nos momentos perfeitos para atacar o rescaldo? Por que é que a coordenação falhou de forma tão evidente — relatado pelos próprios bombeiros — com decisões vindas da capital sem qualquer ligação real ao terreno?
Ano após ano, vemos um país comandado por gabinetes distantes, onde quem decide nunca pisou os montes, nunca sentiu o vento a mudar de repente, nunca percebeu a diferença entre um pinhal seco e um carvalhal verde. Por que é que continua a não existir um comando técnico local, conhecedor do território, com autonomia real para decidir? (Se existiu, falhou.)
E a arrogância centralizada, essa, custa-nos caro. Custa milhões de euros aos contribuintes, custa milhares de hectares de floresta e custa, sobretudo, esperança. Esperança das comunidades rurais que escolhem resistir, que batem o pé e ficam — mesmo quando o país inteiro parece virar-lhes as costas.
Este ano, o argumento oficial foi: “salvaguardar vidas humanas”. Ninguém discorda dessa prioridade. Mas quando se adota a estratégia do “deixar arder”, não se mata também, lentamente, a fauna, a flora e os equilíbrios que sustentam o nosso próprio habitat? Por que é que se esquece que a floresta também é vida?
E fica outra sensação, ainda mais perturbadora: por que é que parece que se criam fogos para justificar meios, em vez de investir em meios para prevenir os fogos? Quantos helicópteros e aviões são exibidos em conferências de imprensa, mas quantos sapadores florestais permanentes faltam ao interior? Quantas campanhas de prevenção são feitas fora das alturas críticas?
Portugal está em colapso total porque os governos, de ontem e de hoje, cometeram sempre o mesmo erro: ignorar a realidade e adiar soluções. O resultado é este: aldeias cercadas, animais carbonizados, populações que vivem com medo do próximo verão. O país arde. E com ele arde também a credibilidade de quem governa — e de quem nos governou durante os últimos 50 anos.
O país precisa de respostas.