As comemorações dos 50 anos da independência de Angola transformaram-se num novo foco de tensão diplomática entre Lisboa e Luanda. Num discurso marcado por críticas à herança colonial, o Presidente de Angola, João Lourenço, classificou o passado português no país africano como “uma era de exploração e escravidão que destruiu a dignidade do povo angolano”. As palavras geraram forte polémica em Portugal e levaram o líder do CHEGA, André Ventura, a exigir um pedido formal de desculpa “ao povo português”.
Durante a cerimónia oficial, em Luanda, João Lourenço afirmou que Angola “não esquece os séculos de humilhação e de exploração” sob domínio português, sublinhando que “o colonialismo europeu deixou marcas profundas que ainda hoje se fazem sentir”. O chefe de Estado angolano acrescentou ainda que o seu país “ergueu-se das cinzas da opressão” e “construiu com sangue e sacrifício a liberdade que hoje celebra”.
O tom do discurso, amplamente divulgado pela imprensa angolana, foi interpretado em Lisboa como uma afronta direta a Portugal. Nas redes sociais, multiplicaram-se críticas à ausência de reação imediata por parte do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que estava presente nas comemorações.
O CHEGA foi o primeiro partido a reagir. Em declarações ao Observador, o Presidente do segundo maior partido classificou as palavras de João Lourenço como “uma ofensa inaceitável à história e ao povo português” e anunciou que o partido irá propor no Parlamento “um voto de condenação ao Presidente de Angola e também a Marcelo Rebelo de Sousa, por ter assistido calado a uma humilhação de Portugal em solo estrangeiro”.
“Portugal não tem de pedir desculpa por ter levado a língua, a fé e a cultura a meio mundo. O que o Presidente de Angola fez foi cuspir na mão de um país que o ajudou a libertar-se e a reconstruir-se”, afirmou Ventura, exigindo que “o Governo português convoque o embaixador angolano para dar explicações imediatas”.
“Foi uma vergonha e uma humilhação para Portugal. O Presidente Marcelo devia ter virado as costas e dito claramente que não aceitamos ser humilhados”, acrescentou o líder da oposição.
O Presidente do CHEGA sublinhou que “a causa do atraso de Angola não é o colonialismo português, mas a corrupção do MPLA, que continua a empobrecer o povo e a enriquecer as elites”. Acrescentou ainda que “Portugal orgulha-se da sua história e dos seus antepassados, que lutaram e morreram pelo país”, rejeitando qualquer pedido de desculpa pelo passado”. Ventura considerou ainda “chocante” o silêncio de António Costa e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, acusando o Executivo de “servilismo diplomático” perante Angola. “O que ouvimos foi um ataque direto à dignidade nacional. Quando um Presidente estrangeiro chama os portugueses de esclavagistas e exploradores, o mínimo que se exige é um protesto firme do Estado português”, frisou.
O discurso de João Lourenço, feito diante de vários líderes africanos e representantes internacionais, destacou também o papel de Angola no apoio à luta contra o ‘apartheid’ e na libertação de outros países africanos, mas as referências ao passado colonial português acabaram por eclipsar o tom da cerimónia.
Do lado do Governo português, a reação foi prudente. O Ministério dos Negócios Estrangeiros sublinhou, em nota enviada ao Expresso, que “Portugal e Angola têm uma relação sólida, construída no respeito mútuo e na cooperação”, evitando comentar as declarações do Presidente angolano. Já Marcelo Rebelo de Sousa, questionado à saída do evento, limitou-se a afirmar que “cada país tem a sua leitura da História”.
Para Ventura, essa “neutralidade envergonhada” é mais um sinal de fraqueza política. “A esquerda portuguesa continua refém de uma visão culpabilizadora da nossa história. É por isso que Portugal já não se impõe no mundo como devia”, criticou. O líder do CHEGA prometeu que, se for eleito Presidente da República, “não permitirá que nenhum chefe de Estado insulte o povo português sem resposta imediata”.
Entre académicos e comentadores, o discurso de João Lourenço foi visto como um reflexo de uma nova afirmação nacionalista em Angola, num momento em que o regime procura fortalecer o orgulho identitário interno e reduzir a dependência económica de Portugal. No entanto, a dureza das palavras e o contexto das celebrações — com a presença de autoridades portuguesas — foram considerados “politicamente desnecessários e diplomaticamente imprudentes”.
A polémica promete marcar a agenda política nos próximos dias. O CHEGA anunciou que vai requerer a audição parlamentar urgente do ministro dos Negócios Estrangeiros e apresentar um voto formal de protesto. “Portugal não pode ser humilhado e depois fingir que nada aconteceu. Temos de defender o nosso nome, a nossa história e o nosso povo”, declarou André Ventura.