Sendo a última terça-feira antes do Natal, não podia passar ao lado deste tema.
O Natal, com os seus diferentes significados para cada pessoa, traz sempre um ambiente de aconchego e nostalgia. Seja na preparação dos presentes — que nos faz lembrar o tempo em que recebíamos em casa os folhetos dos hipermercados, cheios de promoções de brinquedos, e fazíamos um círculo à volta daqueles que queríamos pedir aos nossos pais — seja nos aromas que se espalham pela casa, vindos dos típicos doces de Natal.
Mesmo para quem carrega o peso recente da perda de alguém querido, esta continua a ser uma época em que a saudade se instala e a memória dos que partiram se mantém viva dentro de nós.
E agora? Será que estamos a perder tudo isso?
Esta época faz parte de nós, enquanto portugueses, cristãos e europeus. Sempre existiu na nossa cultura. Crescemos a ouvir histórias do Pai Natal e a aprender que este era um tempo de recolhimento, de partilha e de paz interior.
Há quem defenda que o Natal se tornou apenas mais uma época de campanhas de marketing para alguém enriquecer. Seja como for, é nosso. Faz parte de quem somos.
Vivemos num Estado laico, onde todas as religiões devem ter espaço para coexistir, sem imposições. A religião cristã tornou-se a mais predominante ao longo da nossa História, mas isso nunca impediu a existência de outras. A laicidade do Estado garante a liberdade religiosa — não exige a amputação cultural da tradição mais enraizada.
Chego a este ponto porque assisti, recentemente, na comunicação social, a relatos de instituições que tomaram a iniciativa de retirar símbolos alusivos ao Natal — ou até nomes de feiras — para não ofender outras culturas, consideradas minorias.
Em Palmela, por exemplo, houve escolas que retiraram todas as decorações natalícias em nome da inclusão. Em Arroios, Lisboa, um mercado gerou polémica devido ao seu nome, pelos mesmos motivos — situação que viria mais tarde a ser esclarecida.
Mais uma vez, estamos perante um excesso de zelo. Uma espécie de superproteção das minorias, promovida através de um ativismo simbólico exercido por terceiros, muitas vezes alheios às próprias comunidades que dizem defender. O resultado é paradoxal: em vez de aproximação, criam-se linhas ainda mais vincadas entre culturas, aumentando distâncias através de definições e rotulagens artificiais.
Importa sublinhar um ponto essencial: não foram as minorias culturais que exigiram que se amputassem rituais ou símbolos tradicionais. Foi a própria maioria que se anulou, por receio de ofender. Esta assimetria não promove coexistência — gera ressentimento.
Este fenómeno não é novo. Verifica-se também noutros contextos — género, etnia, identidade — e é amplamente estudado no meio académico, nomeadamente na investigação sociológica.
Dou dois exemplos claros de coexistência cultural:
Nos Estados Unidos da América, um país profundamente pluricultural e altamente religioso, todos têm espaço para celebrar os seus rituais. Ninguém se anula para não ofender o outro.
Em Israel, a convivência é ainda mais visível. Seja o Natal ou o Hanukkah, ambos são celebrados publicamente, à luz do dia, com respeito mútuo e sem autoanulação simbólica.
São exemplos fora da Europa onde o pluriculturalismo existe sem ruído — coexistência sem apagamento.
Em Portugal, essa convivência pacífica sempre existiu. Tivemos, durante décadas, mesquitas, festas islâmicas e utilização de espaços públicos para diferentes rituais religiosos, lado a lado com o Natal e outras celebrações católicas, sem conflitos relevantes.
O que mudou não foram as comunidades. Mudou o discurso importado, o ativismo simbólico e o medo permanente de ofender. Um ativismo que, na maioria das vezes, não parte das minorias, mas de setores ideológicos que falam em seu nome.
Em conclusão, hoje é uma escola que se apaga para não ofender. Amanhã, talvez já não possamos dizer “Feliz Natal” sem gerar polémica. E quem sabe se, um dia, o Pai Natal não será visto como uma lenda imprópria para ser mencionada às crianças.
A cultura perde-se por estes caminhos.
Vivemos num país onde a coexistência cultural pode ser uma realidade sólida — desde que construída com respeito mútuo e identidade assumida. Nunca através da obliteração simbólica da cultura mais predominante, seja por medo de ofender, seja porque “fica bem”.