Há sistemas políticos que envelhecem como certos fidalgos de província, mantêm a pose, o discurso empolado e o fato engomado, mas cheiram a mofo institucional, onde o nosso, herdeiro directo do pós-25 de Abril, entrou nessa fase terminal em que já não governa, reage e quando reage, fá-lo como todo o poder decadente, com medo, histeria moral e processos judiciais à discrição
Na semana passada escrevi sobre a esquerda e a extrema-esquerda enquanto novos fascistas de fato de linho, esses mesmos que passam a vida a brandir, a bramir o antifascismo como se fosse um certificado de pureza democrática, enquanto praticam, com zelo inquisitorial, aquilo que dizem combater, porque hoje, o cenário agravou-se, não basta tentar ilegalizar politicamente o segundo partido mais votado, é preciso também criminalizar-lhe a palavra, esquartejar-lhe o discurso e vigiar-lhe o pensamento, como quem poda uma árvore porque cresceu fora do vaso ideológico permitido.
O Ministério Público, que deveria ser cego, imparcial e sereno, apresenta-se agora como míope selectivo e surpreendentemente diligente quando o nome em causa é André Ventura ou o Partido CHEGA, onde os processos aceleram, as denúncias florescem, as queixas de minorias são acolhidas com a reverência que outrora se reservava a bulas papais e já quando os protagonistas pertencem ao sistema, esse bloco central de interesses, vaidades e impunidades, o tempo estagna, os dossiers dormem e a Justiça entra em hibernação cívica.
Criminalizam-se frases de campanha, não por falsas, mas por verdadeiras demais, confunde-se a descrição da realidade com discurso de ódio, como se a realidade tivesse agora de pedir licença para existir, em que a verdade passou a ser ofensiva, os factos tornaram-se perigosos e a estatística um acto subversivo, tudo isto em nome de uma democracia higienizada, esterilizada, onde ninguém se magoa, excepto a própria Liberdade de Expressão, essa velha senhora incómoda que já não cabe no salão do regime, Néscio e Corrupto.
A censura, claro está, já não se assume como tal, porque tal seria deselegante, prefere chamar-se “regulação”, “proteção”, “defesa da dignidade”, onde em 2021, sob o pretexto das chamadas “Fake News”, a esquerda pariu a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital, onde o Artigo 6.º recupera, com um sorriso progressista, a velha censura prévia do Decreto-Lei n.º 22 469 de 1933, em que mudaram os nomes, trocaram-se os bigodes por piercings ideológicos, mas o impulso é o mesmo, controlar o que se diz para controlar o que se pensa.
Nada disto é acaso, o crescimento do CHEGA funciona como uma pergunta socrática lançada ao sistema, “O que és tu, afinal?” e, como Sócrates bem sabia, perguntas certas são mais perigosas do que exércitos, onde, incapaz de responder, o regime prefere silenciar, porque afinal, questionar o bipartidarismo rosa-laranja, que António Barreto descreveu como viveiro de corrupção, é tocar no nervo exposto de um Estado que criou outro Estado dentro de si, um aparelho partidário que sobrevive a eleições, governos e escândalos, sempre incólume.
A separação de poderes tornou-se decoração constitucional, a vigilância democrática, um slogan e a Justiça, demasiadas vezes, um instrumento de correção política, em que o sistema não teme o extremismo, teme a ruptura, porque a ruptura ameaça privilégios, carreiras e toda uma classe que confunde democracia com permanência no poder.
O regime está em implosão, não por ataque externo, mas por excesso de hipocrisia interna e quando a verdade precisa de advogado, a opinião de autorização e o contraditório de tribunal, já não estamos perante uma democracia ameaçada, estamos perante um poder com medo de ser desmascarado e, isso, como Eça saberia escrever com um sorriso cruel, é sempre o princípio do fim.