Filarmónicas portuguesas

Consideradas por muitos, e de forma errada, como um mero “parente pobre” da cultura musical, as bandas filarmónicas foram, desde sempre, importantes polos de agregação de melómanos que, não raras vezes nelas iniciaram a sua formação musical e nelas receberam incentivo para prosseguirem a sua formação já como profissionais do ramo musical.
As origens do movimento filarmónico no nosso país gera ainda hoje alguma discussão entre os entendidos da área, no entanto é aceite de forma convergente que as bandas militares estiveram na sua origem, ou pelo menos contribuiram para a criação de muitas bandas civis em diversos pontos do território nacional.
Com respeito à criação e fundação de filarmónicas, as primeiras surgem, curiosamente, no decorrer do século XVIII. Exemplos disso são a Banda de S. Tiago de Riba-Ul (1722), a Banda Musical de Figueiredo (1741), a Banda de Golães- Fafe (1770), a Banda Musical de Oliveira (1784).
No entanto, é preciso chegarmos ao difícil e conturbado século XIX para assistirmos a uma grande explosão de filarmónicas por todo o Portugal. Para isso contribuiu, de forma decisiva, a criação de bandas militares durante as campanhas do Rossilhão (1793-1794) e das guerras peninsulares (1807-1814), em que o movimento de tropas necessitava de formações musicais para abrilhantarem, por exemplo, a revista às formaturas militares, saudações aos comandantes e ainda para ocupação dos tempos livres dos soldados.
É com base nestes factos que Pedro de Freitas, músico e investigador algarvio e autor de um dos primeiros e mais importantes trabalhos sobre as filarmónicas lusas, “História da Música Popular em Portugal”, publicado em 1942, afirma que foram as bandas militares que estiveram na génese das modernas bandas filarmónicas.
No decorrer dos tempos, várias foram as bandas que, casualmente ou não, se viram associadas a episódios históricos, como foi o caso da Banda de Calvos, que, segundo alguns, terá acompanhado o bando revolucionário da Maria da Fonte em 1846.
É inegável o papel das filarmónicas não só na formação musical de gerações de portugueses, mas também na divulgação do trabalho dos grandes compositores de música clássica, que viram o seu reportório, originalmente escrito para orquestra sinfónica, adaptado para banda, chegando assim a muitas aldeias e vilas do interior do nosso país, que de outra forma se veriam privadas de tão genial trabalho. Anualmente muitas são as romarias e festas populares que não dispensam a presença de duas ou mais bandas para a realização dos tradicionais despiques, onde a execução das obras dos grandes Mestres é quase obrigatória.
Mas não só de compositores clássicos se enchem as estantes dos filarmónicos. Muitos são os autores que ao longo de gerações seguidas se dedicaram a compor exclusiva e propositadamente, para este tipo de formações, sobretudo inúmeros compositores portugueses, que encontraram nas filarmónicas verdadeiros berços musicais, e que têm criado obras de inestimável valor e qualidade. Aliás, não são raros os casos de compositores “nascidos” nas nossas bandas que criaram grandes melodias e temas que ainda hoje nos encantam, como fados e as populares marchas de Lisboa.
São perto de oitocentas as filarmónicas em actividade neste nosso Portugal, muitas delas agrupadas em federações distritais e nacionais, que dão vida a tantos arraiais, numa verdadeira demonstração dum génio popular tantas vezes desprezado pelas nossas elites. Graças ao movimento filarmónico, milhares de jovens encontram uma ocupação saudável que lhes preenche os tempos livres, mantendo-os dessa forma afastados dos perigos da sociedade moderna, indicando-lhes muitas vezes um caminho vocacional.
O papel desempenhado pelas filarmónicas na sociedade portuguesa foi reconhecido em 2013 pelo Conselho de Ministros, que instituiu o “Dia Nacional das Bandas Filarmónicas”, assinalado anualmente no dia 1 de Setembro.

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