Baalbaki conta à Lusa que na sua família corre a história de uma árvore com mais de 200 anos, onde já a avó da sua avó se costumava sentar a ver passar os nómadas que atravessavam aquela região.
“O cheiro de figos e azeitonas estão ligados às minhas memórias. É mais do que simbólico, é uma conexão com a terra, uma parte da herança cultural e ambiental”, diz à Lusa.
A meio dos ataques entre Israel e o grupo xiita libanês Hezbollah, as preciosas oliveiras desta família libanesa estão em risco, e milhares de muitas outras já foram destruídas não só no Líbano como na Palestina, diz à Lusa Baalbaki, investigador na Universidade Americana de Beirute (AUB) e membro da ONG de defesa do meio ambiente “Green Southerners”.
“Estamos a falar de milhares de hectares afetados diariamente pelos bombardeamentos [no sul do Líbano], cobrindo pelo menos 210 km de área e 7 a 10 km de profundidade”, diz à Lusa o porta-voz do Ministério da Agricultura do Líbano, Abdallah Nasserddine.
“Israel está a provocar intencionalmente dezenas de incêndios com o objetivo de destruir as nossas colheitas e cobertura vegetal nestas áreas”, diz.
A 10 de janeiro, o Líbano instaurou uma queixa formal nas Nações Unidas contra Israel. No documento, o Líbano diz que 50,000 oliveiras foram destruídas por ataques israelitas e acusa Israel do uso ilegal de fósforo branco, uma arma incendiária.
Apesar da lei internacional permitir o uso de fósforo branco em certos casos durante um conflito, esta substância é ilegal quando disparada sobre ou em proximidade a populações.
Várias organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch (HRW) têm documentado e provado o uso ilegal de fósforo branco por Israel, não só no Líbano mas também em Gaza. Em resposta, o exército israelita disse, em outubro, que as acusações são “categoricamente falsas”.
Para além dos efeitos danosos imediatos do uso deste tipo de munição, afirma Baalbaki, o fósforo branco e outros tipos de explosivos usados por Israel no Líbano e na Palestina constituem ameaças ambientais a longo prazo.
Inúmeras das oliveiras destruídas têm 200 ou 300 anos e não poderão ser repostas, os explosivos e munições usadas produzem vapores e partículas ultra finas que poluem fontes de água e comida para a diversidade e habitantes da região, para além do risco de explosivos não detonados que podem continuar a afetar a área durante vários anos.
“Basicamente [os Israelitas] sabem a ligação entre as pessoas e a terra… é parte do património ambiental cultural, e portanto eles tentam romper este elo ao converter terras selvagens e agrícolas em locais para resíduos tóxicos”, explica o investigador.
“Isto é terrorismo ambiental extremo”, diz Baalbaki.
Yasmeen El-Hasan, oficial de Advocacia e Mobilização Comunitária na União dos Comités de Trabalho Agrícola (UAWC) na Palestina, descreve estes ataques ambientais como parte “de uma tentativa de genocídio”.
El-Hasan enumera a destruição, para além dos campos agrícolas, de infraestruturas como sistemas de irrigação, armazéns, veículos agrícolas, mas também de sistemas básicos de sobrevivência como hospitais, particularmente na Faixa de Gaza.
“Isto é uma tentativa de assegurar que aqueles que sobrevivem ao genocídio corrente ficarão condenados a um futuro sem as coisas que fazem desta a sua casa”, explica Yasmeen. “Uma das ferramentas principais para conseguir isso é o uso da fome como uma arma de guerra”.
Na Palestina, cerca de 100,000 famílias dependem economicamente da colheita de azeitonas, para além de todos os outros produtos agrícolas que representam 6% do Produto Interno Básico (PIB) anual do território.
Yasmeen diz que as perdas na Faixa de Gaza são incalculáveis, e chama a atenção que na Cisjordânia os ataques das forças israelitas e de colonos israelitas aumentaram exponencialmente desde o início da guerra.
El-Hasan conta à Lusa o caso de Bilal Muhammed Saleh, um agricultor de 40 anos assassinado por um colono israelita na vila de As-Sawiya na Cisjordânia Ocupada a 30 de outubro enquanto apanhava azeitonas.
As Nações Unidas dizem que a violência dos colonos na Cisjordânia aumentou de uma média de 3 ataques por dia, para sete desde o início da guerra.
Yasmeen sublinha que estes ataques não são novos, mas “exacerbados” pela guerra, especialmente na chamada Área C da Cisjordânia – “a mais rica em recursos”, diz. “Não é coincidência”.
“É importante sublinhar que a disrupção das colheitas não é só um problema de PIB, é muito maior que isso… é sobre existência”, explica. “As nossas oliveiras estão enraizadas nesta terra e resistiram ao colonialismo. Elas são paralelas à nossa continuidade e história nesta terra”, diz.
“Portanto não é só simbólico, é uma tentativa de destruir a nossa conexão histórica com a terra. Historicamente Israel quer destruir as provas da nossa relação com a terra, como tentativa das roubar de nós”, diz Yasmeen.
Para palestinianos e libaneses a colheita das azeitonas, feita entre outubro e novembro, é uma data importante, de celebração e tempo em família. Este ano para muitas famílias a tradição foi quebrada. Agricultores continuam impedidos de se aproximar das suas terras transformadas em campos de batalha.
Abbas Baalbaki descreve um sentimento semelhante ao de Yasmeen. Ao ver as terras da sua família destruídas, queimadas, reduzidas a cinzas, o libanês sente uma desconexão às memórias que aquele lugar lhe proporcionou a vida inteira: o aroma da terra nos dias quentes, a colheita anual com os primos e a recompensa de provar o azeite acabado de extrair, virgem, com uma acidez única que apenas aquelas oliveiras selvagens podem produzir, segundo descreve.
Após vários anos de impunidade, Baalbaki não reserva esperanças que haja consequências a estes ataques: “já vimos que [os israelitas] podem matar os nossos familiares, os nossos irmãos e irmãs. Portanto se há impunidade quando matam pessoas, a destruição do ambiente torna-se, infelizmente, menos importante”.