Coube-me falar do futuro que queremos para a Família e para a sociedade. E devo começar por afirmar com franqueza: o futuro que queremos é, necessariamente, distinto do futuro que nos será permitido construir, se a marcha actual da história não for interrompida. Um conservador é, por definição, um realista. E a realidade é que o futuro permanece, hoje, alarmantemente incerto.
A Família tem vindo a ser metodicamente desconsiderada em todo o Ocidente, não por acaso, mas por ser, paradoxalmente, uma instituição revolucionária. A quem tem Família, nada falta de essencial: há afecto, pertença, identidade; há uma rede de protecção que antecede o Estado e resiste à sua substituição. A Família oferece abrigo físico e moral, solidez emocional, Amor absoluto — e, portanto, reduz o medo. E quanto menor for o medo, menor é o poder dos senhores do medo.
Não é à toa que a Família foi, e continua a ser, alvo predilecto de políticas públicas orientadas por ideologias que a veem como um entrave à expansão do poder centralizado. Desde os anos 80 do século passado, e de forma mais vincada a partir dos anos 90, as políticas familiares passaram de uma lógica de fortalecimento da célula familiar para uma lógica de substituição da sua função. O Estado, ao invés de subsidiar a autonomia das famílias, passou a financiá-las na sua dissolução — promovendo modelosde parentalidade avulsos, premiando a fragmentação e desresponsabilizando os adultos pelas consequências das suas escolhas.
Resultado? Assistimos ao colapso da natalidade, ao agravamento da solidão, ao recrudescimento dos problemas de saúde mental, ao encarecimento da habitação e à erosão do capital social. A desestruturação familiar não é só um drama humano; é também um factor de deterioração económica. Um Estado que promove a atomização social perde coesão, perde produtividade, perde futuro.
É preciso dizê-lo sem rodeios: o enfraquecimento da Família fragiliza a economia. Um país onde a estrutura familiar se esboroa é um país onde se multiplica a dependência do Estado, onde escasseia a poupança, onde falha a transmissão de competências e valores intergeracionais.
A criança sem família estruturada cresce sem referências; o idoso sem filhos ou netos é entregue à institucionalização. E todo esse vazio será sempre preenchido — mal — por burocracias pesadas e caras, ineficazes e desumanizadas.
O Estado substituiu-se à Família, mas nunca a conseguiu replicar. Porque a Família não é um contrato nem uma prestação de serviços: é uma aliança, é pertença, é herança. Como bem escreveu Edmund Burke, a sociedade não é um pacto entre indivíduos vivos apenas: “é uma associação entre os mortos, os vivos e os que ainda hão-de nascer”. A Família é o lugar onde essa associação se encarna. É nela que se honra o passado, se vive o presente e se prepara o futuro.
No entanto, a cultura dominante — que é hedonista, niilista e hiperindividualista — ridiculariza a permanência, demoniza o sacrifício e despreza a memória. Tudo tem de ser novo, tudo tem de ser sensível, tudo tem de ser fluído. Os antigos laços foram cortados, mas nada de estável ossubstituiu. E assim caminhamos, como sociedade, sem raízes, sem tronco e sem fruto.
A degradação da Família não se deve apenas a más escolhas individuais; é o resultado de políticas públicas sistematicamente adversas à coesão familiar. O elogio da autonomia sem responsabilidade, o incentivo ao divórcio fácil, a naturalização da monoparentalidade, a dissociação entre sexualidade e procriação, entre afecto e compromisso, tudo isso destruiu a ecologia natural da Família.
E as consequências estão à vista: implosão demográfica, infância instável, juventude desnorteada, velhice solitária. Ora, aquilo que desejamos não é impor um modelo monolítico, mas recuperar um ideal. Ideal esse que reconhece a complementaridade homem-mulher como geradora de vida, e a estabilidade dos vínculos como condição do florescimento humano.
Hoje, fala-se de “famílias”, no plural, como se isso bastasse para dar conta da realidade. Mas os nomes importam. E não há família sem paternidade, sem maternidade, sem filiação. Substituir o Pai e a Mãe por “progenitores” é desumanizar a origem, é romper a cadeia do sentido, é rebaixar o ser humano à condição de produto.
É por isso que o futuro da Família exige o ressurgimento de um pensamento conservador, enraizado na realidade e fiel à natureza humana. A Família não precisa de salvadores: precisa de ser deixada em paz. Precisa que o Estado a sirva, e não que a substitua. Precisa de uma cultura que a valorize, e não que a escarneça.
O drama da habitação, por exemplo, raramente é analisado à luz da desestruturação familiar. Mas é factual: o aumento exponencial da procura de casas nas últimas décadas corresponde, em grande medida, àmultiplicação de unidades familiares disfuncionais. Um divórcio duplica o consumo habitacional.
A fragilidade dos laços sociais gera novas e artificiais necessidades, que pressionam o mercado e encarecem a vida. Do mesmo modo, muitos dos problemas da Escola seriam minorados se a Família estivesse presente e sólida. A Escola não pode ser o lugar da afectividade primária. Não pode substituir o colo da mãe nem o exemplo do pai. E quando o tenta fazer, colapsa.
No campo da saúde mental, repete-se o padrão: milhares de crianças e jovens medicados, quando o que precisavam era de limites, presença, exigência e Amor. Precisavam da Família, e receberam psicotrópicos. Precisavam de pertença, e receberam diagnósticos.
Há muitos anos que os sucessivos governos confundem progresso com desconstrução. A liberdade foi confundida com permissividade; a igualdade, com uniformização; a dignidade, com capricho. Mas nenhuma sociedade floresce quando destrói os seus próprios alicerces. Nenhuma economia prospera quando prescinde da estabilidade dos seus actores primários. Nenhuma civilização sobrevive sem famílias fortes.
Há um genial filósofo popular chamado Alain de Botton, para quem a besta negra, que condena ao longo de diversas palestras, é o romantismo. O romantismo no sentido de que tudo tem que ser perfeito para ser feliz. De que tudo tem que ser perfeito para um casal se juntar ou continuar junto.
De que, ou um casal se entende naturalmente, espontaneamente e plenamente, ou não há mais nada a conversar.
Romantismo, em suma, no sentido de perfeição.Mas não há famílias perfeitas. Nunca haverá. A Família é Amor na imperfeição. Na pobreza, na doença, na tristeza. Mas também na impaciência, nos defeitos, na decepção. Porque é na Família que vão desanuviar os males da natureza e do quotidiano humanos.
Os defeitos do corpo, da mente e da alma humana e os problemas profissionais, sociais e académicos encontram na Família o seu sanatório. É claro que uma Família fraca não é capaz de suportar esse esforço. É por isto que muitos querem enfraquecer a família. Querem que esse esforço seja suportado pelo Estado (mas nunca será, e muito menos de forma satisfatória). O Amor absoluto é o único esteio de uma existência plena. A Família é a maior fonte desse Amor.
Uma família forte requer pessoas fortes, capazes de criar e educar crianças fortes, para que o ciclo se repita até à eternidade. Para que a Família seja forte, é necessário que os seus membros, especialmente os adultos, sejam responsáveis e realistas.
Responsabilidade e realismo são o oposto do que vemos nas sociedades ocidentais: hedonismo e romantismo. O hedonismo do “eu tenho que ser feliz, senão não dá”, e o romantismo do “tem que ser tudo perfeito, senão não dá”.
Para que a Família tenha futuro, é necessário que a sociedade seja atravessada por uma veia de Responsabilidade, em que pagamos pelas escolhas más que fazemos e lucramos com as escolhas boas; e por outra de Realismo, em que os factos e a Verdade se sobrepõem às intenções e às narrativas. Alguns dirão que esta visão não leva em conta a Felicidade — enganam-se.É urgente recuperar a consciência de que a Família é o esteio da civilização.
Não há sociedade justa sem famílias estruturadas. Não há liberdade verdadeira sem vínculos duradouros. Não há futuro sem herança, sem memória, sem continuidade.
Por isso, reafirmo: o futuro que queremos para a Família é um futuro em que esta possa florescer livre da engenharia social, respeitada pelo Estado, apoiada na adversidade, mas jamais condicionada na sua essência. É urgente uma sociedade onde os pais possam ser pais, e os avós sejam avós — não resíduos do passado, mas testemunhas do futuro.
É urgente uma sociedade que compreenda que a verdadeira liberdade não está em viver sem deveres, mas em viver de forma digna e enraizada. Uma sociedade que reconheça que o Amor não é sentimento passageiro, mas decisão permanente.
Só assim — com responsabilidade e com realismo — haverá esperança. Só assim haverá futuro.
A Felicidade não é um pressuposto nem um objectivo da nossa existência; é o efeito de uma vida digna, plena de Amor. E a Família é Amor.