Os «engenheiros do caos» e as incapacidades da esquerda

 Apareceu agora uma tradução portuguesa de um medíocre livro de um autor italiano, cujo nome não me ocorre, por manifesta insignificância, escrito ao estilo jornalístico. Foi-me referida mas não esperava grande coisa e, com efeito, nada há a esperar. Não passa de uma diatribe contra a ascensão eleitoral de novas tendências políticas desalinhadas à esquerda, designadamente o italiano movimento Cinco Estrelas e os Fratelli d´Italia, sem esquecer outras como as novas direitas que surgem em tantos países europeus, e que estão a desacreditar a e a retirar base eleitoral de apoio às esquerdas, socialistas à cabeça.

    O autor atribui semelhante desaforo à difusão das redes sociais e ao ressentimento e cólera que elas geram e alimentam contra os respeitáveis partidos das esquerdas. A incapacidade de controlar as redes sociais e a proliferação da informação que elas potenciam é mesmo encarada como uma cavilosa maquinação do capitalismo norte-americano, obviamente, para desarticular as valiosas propostas socialistas e comunistas, essas sim racionais e válidas e «democráticas». O autor horroriza-se com a democracia digital precisamente porque sabe que ela ainda é um meio de pôr as pessoas a pensar longe dos barretes ideológicos que a esquerda lhes impingiu durante décadas. 

    Mostra-se o autor muito inquieto com o mercado político digital veiculado pelas redes sociais. É natural quer assim seja porque se trata do único meio de expressão do pensamento que a esquerda tem dificuldade em controlar. Diz-nos ele que as opções dos eleitores são induzidas pelo aproveitamento dos sentimentos de ódio e rancor e por considerações machistas e racistas, além dos outros habituais epítetos. Vai daí a democracia racionalizada ocidental corre grave perigo. Qual é ele? O «populismo», evidentemente. É evidente que o autor não percebe a realidade nem a pode perceber tais são as baias ideológicas de que padece e que nos quer colocar.

    Note-se que o autor nunca põe em causa a idoneidade política das esquerdas europeias. Como é sabido, a esquerda europeia e a portuguesa em especial, ressalvadas honrosas excepções individualizáveis, felizmente numerosas, caracterizam-se pela perseguição profissional e pessoal a tudo o que não é de esquerda, pela calúnia, pela dissimulação e desonestidade intelectual, pelo mais escandaloso nepotismo, pela corrupção e pelo controlo ditatorial dos negócios e da comunicação social. Tudo isto é omitido. Para o autor a esquerda é a detentora da razão e dos valores democráticos e a direita, toda ela, um bando de salafrários que, porque não consegue convencer ninguém, recorre aos mais insidiosos meios digitais veiculando os mais baixos sentimentos e a mais obtusa racionalidade para obter votos, como se a indignação, a coragem e um certo desprezo fossem sempre sentimentos criticáveis próprios dos partidários da direita. Vê-se bem que o autor, apesar de se dar ares de culto, não sabe nada do estatuto que o pensamento clássico, e mesmo o mais moderno, dá aos sentimentos morais como motivadores do conhecimento e do espírito crítico.  

    Os cidadãos de direita não se convencem com um partido dominante que coloniza completamente o Estado, cuja estratégia é apenas enriquecer o Estado e empobrecer a sociedade civil, que nada tem a oferecer aos cidadãos a não ser um discurso estafado e estúpido baseado em lugares- comuns e banalidades e que favorece o parasitismo de modo a colher mais votos. Para fugir a semelhante pesadelo, muitos refugiam-se nas redes sociais. E estas não são um sintoma de fragilidade democrática, pelo contrário. Trata-se de uma questão de saúde mental. São uma reserva de liberdade que a esquerda não consegue controlar e não é porque lhe falte a vontade. Imagine-se que dores de cabeça daria a um socialista convicto como é com certeza o referido autor saber que os cidadãos eram motivados pelas redes sociais a apoiar o alargamento do referendo, o mandato imperativo dos deputados, a restrição dos escandalosos privilégios dos políticos e a democracia participativa. Que pesadelo. Só pode ser atribuído ao «populismo».  

    Esta realidade é insuportável para um autor, como o referido italiano, cujo nome não sei nem quero saber, adepto do tradicional maniqueísmo da esquerda. De um lado a razão iluminada e do outro as trevas. A esquerda não sai nem consegue sair disto porque precisa desta atuarda ideológica para lhe servir de bengala, para sobreviver. Conviver em termos racionais com gente assim não é fácil. Mas o tempo não está a favor deles. 

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