A deflação na China pode ajudar a conter os preços na Europa e o país vai conseguir escapar a uma ‘japonização’, de acordo os analistas, que afastam efeitos negativos do fenómeno além-fronteiras.
O índice de preços ao consumidor, o principal indicador da inflação na China, registou uma queda homóloga de 0,3% em julho, a que se alia sinais de desaceleração do crescimento da economia – avançou 6,3% em termos homólogos no segundo trimestre, menos do que o esperado.
O cenário de descida dos preços contrasta com o registado na zona euro e nos EUA, que continuam a travar a batalha de trazer de volta a inflação para a meta dos bancos centrais de cerca de 2%.
O presidente da IMF — Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia, em declarações à Lusa, realça que, nas últimas décadas, a China e a Ásia em geral têm sido exportadores de deflação (isto é, quando se assiste a uma queda generalizada dos preços, acompanhada por uma quebra no ritmo da atividade económica) para a economia global, considerando que tem de ser visto no contexto da macrotendência da globalização.
“Numa fase em que o Ocidente luta contra a inflação, a deflação chinesa irá certamente ajudar a conter os preços. No entanto, estamos num momento em que a globalização está sob ameaça, com as diversas áreas geográficas a procurarem assegurar cadeias de abastecimento alternativas, seja por motivos logísticos, seja por receios geopolíticos, pelo que há neste caso forças em sentido contrário”, explicou.
O analista sublinha que “de qualquer forma, o abrandamento chinês é deflacionista e com efeitos na economia europeia em geral e também em Portugal”.
“A deflação chinesa resulta, entre outros fatores, de fraqueza na procura devido a temas de confiança e de uma menor preferência por bens, em detrimento de serviços. Esse facto afeta a procura por bens importados, nomeadamente da Europa, o que tem prejudicado a economia alemã e outras economias industriais, contaminando o resto da Europa”, aponta, acrescentando que por outro lado, a procura por matérias-primas, nomeadamente metais industriais, também pressiona em baixo esses preços a nível global.
Contudo, os analistas acreditam que a segunda maior potência económica vai evitar um episódio semelhante ao do Japão no final dos anos 90.
Uma nota de ‘research’ do Goldman Sachs (GS), a que a Lusa teve acesso, assinala que embora as preocupações sobre os riscos da deflação na China sejam “compreensivas”, há sinais “encorajadores”, já que, com exceção dos alimentos, a maioria das categorias registou aumentos na inflação sequencial de preços.
“Nos próximos dois meses, a inflação do Índice de Preços no Consumidor (IPC) pode continuar pressionada devido à fraca inflação dos preços dos alimentos. Mas depois disso, pensamos que a inflação do IPC deve regressar a território positivo. Não achamos que a China irá enfrentar uma deflação sustentada pelo IPC”, refere o analista do GS Hui Shan.
O risco de deflação na China reflete desafios internos, como o atraso e uma recuperação mais fraca na procura interna, a subida do desemprego (ex. o desemprego entre os jovens urbanos da China, entre os 16 e os 24 anos, atingiu em junho um novo recorde histórico de 21,3%) ou a falta de pressões inflacionistas nos salários.
“O governo começou a enfatizar a necessidade de aumentar o consumo, mas até agora as respostas políticas parecem insuficientes e não abordam as questões-chave, por exemplo, aumentar o rendimento familiar, reduzir a poupança preventiva e dar apoio financeiro para medidas pró-consumo”, assinala uma nota de ‘research’ do JP Morgan a que a Lusa teve acesso.
Já o analista do BBVA Jinyue Dong considera, numa nota de ‘research’, ser importante estar atento ao fenómeno, já que quando a expectativa de deflação estiver formada entre famílias e empresas, é difícil alterá-la, mas não acredita que “a economia chinesa entrará na ‘japonização’ com uma constante recessão de balanço e ambiente deflacionário”.
“Primeiro, a China ainda tem um amplo espaço político para implementar medidas de flexibilização monetária. Por exemplo, o ambiente deflacionário da China oferece espaço para novos cortes nas taxas de juro”, aponta.
Em segundo lugar, a dívida do governo chinês “ainda é pequena em comparação com outras economias principais, abrindo espaço para estímulos orçamentais” e em terceiro lugar, “a China tem alguns avanços tecnológicos importantes com tecnologias autossuficientes e autodesenvolvidas; em algumas áreas principais, como EV, 5G, IA, ‘nova infraestrutura’ e setor de energia verde”, pelo que pode promover novos pontos de crescimento económico, refere.
“A economia chinesa pode chegar ao fundo do poço no resto deste ano, mas como equilibrar o estímulo ao crescimento e a estabilidade financeira é sempre um desafio constante para as autoridades chinesas daqui para frente”, conclui.
Uma semana depois da divulgação dos dados do IPC, a China assegurou que “não existem riscos de deflação” no país, “nem agora, nem no futuro”, ainda que tenha reconhecido que a recuperação económica do país “enfrenta vários desafios”.