Se te conheces a ti próprio e ao teu inimigo, em cem combates a travar, cem vezes sairás vitorioso. Se ignorares o teu inimigo apesar de te conheceres a ti próprio, as chances de ganhar ou perder serão idênticas. Se ignorares ao mesmo tempo o teu inimigo e a ti, só contarás os teus combates por derrotas. Sun Tzu
O PARDAL
Aquele “pardalito” que vemos todos os dias é acima de tudo um ser elegante que labuta na procura de migalhas para si ou para os seus filhotes. Trabalhador honrado, alma divina, parece sempre adaptado às intempéries e à fauna envolvente do meio hostil que o rodeia.
Nervoso, cabecinha para lá e para cá, sempre aos saltinhos, esvoaçando para aqui e para ali mostrando ao mundo que, mesmo pequeno como Deus o fez, enfrenta-o com coragem, vivendo o dia a dia, agradecido à natureza, temente ao criador, satisfeito por existir. Símbolo de inocência é, de facto e para quase todos, um ser admirável. Voa para onde quer e lhe apetece julgando o simbolismo do seu voo um desígnio que afasta os males e o torna invulnerável.
A realidade é infelizmente outra muito embora tenhamos gente que inocente ou simplesmente por teimosia, pense o contrário.
Voava o pardal num céu azul com nuvens de algodão. E voou tanto, tanto que nas suas voltas não contou as horas, não mediu as distâncias muito menos o cansaço. Coisas de pardais, coisas de quem satisfeito com a vida a celebra e vibra num misto de prazer e irresponsabilidade.
De repente o céu torna-se plúmbeo e frio e águas geladas bloqueiam-lhe os movimentos, gelam-lhe a carne e as pequeninas asas. Cai desamparado num charco de água e lama e para ali ficou esperando o seu triste fim. Se ao menos se pudesse mexer, aquecer o corpo. Mas não!
Resignado com a sorte, vê aproximar-se uma majestosa vaca, de passo lento e mão fechada no seu andar pesado. Fechando os olhos esperando o impacto reza a Deus que lhe dê morte rápida, que não lhe doa, mas alivie o sofrimento. Mas a vaca não o pisa. Em vez disso lança sobre ele uma enorme e densa bosta que, não o matando, quase o esmaga, o sufoca e o impede de ver. “Oh, triste sina a minha.” Pensava para si próprio aquele pardal gelado. O cheiro nauseabundo era ou parecia-lhe ser, castigo demasiado para aquele pequeno mortal nas últimas.
Mas eis senão quando o calor da bosta quente lhe invade o corpo tirando-o do torpor gelado em que se encontrava. As forças voltaram e quase de imediato começou a sentir as asas molhadas mas livres. “Estou safo”, pensou o pardal. “Vou-me mas é embora antes que para aqui morra com este cheiro…”.
Começou a sacudir-se e a cantarolar de alegria, procurando descuidada e apressadamente evadir-se daquela enorme bosta que providencialmente lhe tinha caído em cima e lhe tinha salvo a vida. Pensava o pardal franzino, ser elegante, temente a Deus, pai de filhos e novamente pronto a enfrentar as agruras da vida.
Não viu uma esfomeada raposa que passava perto, que parou curiosa por ver uma bosta cantante, se aproximou como só as raposas o sabem fazer e num golpe rápido o apresou nas suas afiadas garras.
Moral desta pequena e triste história.
Sem saber como nem porquê, a merda cai-nos em cima, mas nem sempre quem nos faz em cima nos quer mal. Mesmo nela, não estamos tão mal como parece. Porém é mais fácil cair nela do que dela sair.
Bostas de vaca pelas ruas veem-se cada vez menos em países civilizados, mas são restos do sagrado noutros cantos do mundo havendo sempre uma raposa à espreita quando julgamos celebrar com alegria o parecer do regresso à vida ou à normalidade que alguns tanto gostam de celebrar. Julgar que se é inteligente e que para se sobreviver na procura de alternativas se pode andar ao mesmo tempo resguardado e de mão dada com a raposa, também não é aconselhável.
Assim, o destino para os incautos é indubitavelmente como o deste pequeno, elegante e inocente pardal. Um petisco para as raposas deste mundo.
Guerra Junqueiro no seu extraordinário poema “O MELRO“ e na voz do padre-cura, até sugere, “guisados com arroz são excelentes”.