3 Maio, 2024

O que quer a extrema-esquerda portuguesa?

Só os mais ingénuos é que podem acreditar que ela é revolucionária e está possuída por um inconformismo radical. Só os mais cândidos é que poderiam supor que ela cabe nas imortais palavras de Dostoievsky (que a dita extrema-esquerda portuguesa nunca leu) tiradas do magnífico romance «Os Demónios» onde lhe atribuía a convicção necessária para (trad. minha) «abalar sistematicamente as bases da sociedade civil e arruiná-la bem como aos seus princípios; desmoralizar as pessoas, transformá-las numa massa informe, doente, triste, cínica e céptica, pronta para aceitar o primeiro arauto que segure o estandarte da revolta». Também não estou a ver a extrema-esquerda nacional a ir para o campo ensinar as massas populares, muito escassas hoje no nosso país, à espera de as sublevar como foram os «populistas «russos no século 19, onde seria, aliás, compreensivelmente recebida com desconfiança e até à pedrada. E já não vê diferenças entre as classes sociais em toda a parte como Lenine via no campesinato russo dezasseis ambos antes da revolução de Outubro. Muito menos quer trazer de fora para a classe operária ignara pela mão de um punhado de revolucionários profissionais a consciência de classe que aquela, por si só, não atinge como evidenciaram Kautsky e Lenine.

    Nada disso. A questão é muito simples. A extrema-esquerda portuguesa é comodista, almoçadeira e gordinha. Quer é uma parcela do poder que gere empregos e sinecuras e, ao mesmo tempo, conservar até ao limite a situação actual, sem qualquer ideia de reforma. Claro está que o pretexto é servir melhor a causa dos «desfavorecidos» e dos «excluídos». Para manter as aparências e enganar os incautos, até apoiam o Governo na compra de acções privadas nos CTT de modo a reforçar o sector público empresarial. O accionista privado até lhes ficou agradecido. E assim fica o Estado português ou seja, o contribuinte, com mais um activo problemático. Não faz mal; cá está o contribuinte para pagar as «coerências» esquerdistas.

    A extrema-esquerda portuguesa lembra-nos aquilo a Lenine chamava esquerdismo, essa empresa no sector públicos. a doença infantil do comunismo.  Já agora fazia-lhe bem ler o livro de Cunhal intitulado «Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista» que, sem ser uma obra marcante e original, ao menos lhe mostrava bem o que ela é.         

    A extrema-esquerda portuguesa no que coincide, aliás, com a de outras paragens, não tem um projecto de futuro melhor para todos. Nada disso. O que pretende é eternizar um presente de fruição baseado na abolição de tudo quanto cheire a passado, mesmo que com provas dadas. O seu único radicalismo é este. É, na plena acepção do termo, iconoclasta, imediatista e oportunista.

    Para esse fim, fornece aos seus apoiantes uma visão estafada da mais insípida vulgata marxista, travestida agora de um vago hedonismo, baseada na maldade do capitalismo privado, na virtude salvífica de tudo quanto é estatal, mesmo que à custa dos mais impiedosos impostos incidentes sobre a classe média, e que vai alimentando com o medo do regresso do fascismo, como se isso fosse hoje possível ou fosse esse o objectivo de alguém. Para tanto fomenta a credulidade nos papões fascistas e na militarização das direitas com a mesma desfaçatez com que nos venderia o homem do saco. O objectivo é retirar aos cidadãos qualquer espírito crítico e autonomia intelectual. A extrema-esquerda é hoje verdadeiramente um instrumento de obscurantismo.

    Nem uma palavra se lhe ouve sobre algumas das questões mais importantes do nosso tempo; como educar hoje os cidadãos numa sociedade atolhada em informação inútil proporcionada por centros de decisão cada vez mais invisíveis, tendenciosos e incontroláveis? Como alcançar a formação de uma opinião pública esclarecida e crítica em vez de uniforme e fanatizada? Como combater o analfabetismo ilustrado e informado que domina hoje nas sociedades ocidentais? Como evitar o esvaziamento do conteúdo da linguagem? Tudo isto é o produto de um ensino baseado no facilitismo, na rejeição das bases culturais que educaram gerações a pretexto de nacionalismo, elitismo, machismo, sexismo, racismo e outas patranhas do género. A cultura é um dado (relativamente) objectivo e dela podem fazer-se diversos usos mas uma coisa é certa; sem ela nada feito, sem ela em vez de cidadãos temos carneiros informatizados.

    Claro está que a extrema-esquerda sabe que a aquisição cultural dos cidadãos é o seu fim. A autonomia do pensamento gera a crítica e esta é fatal para o marxismo barato que a extrema-esquerda vende numa prosa intrujona. A situação actual de deformação do ensino e da cultura convém-lhe perfeitamente. É por isso que aposta na sua continuidade.

    O que quer a final a extrema-esquerda? À falta de propostas construtivas e de soluções alternativas o que quer é a continuidade de uma situação já de si degradada e que quanto mais degradada estiver mais lhe convém.

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