Entre a Constituição e a Realidade

Portugal está a enfrentar um paradoxo grave: enquanto a realidade social e económica exige respostas claras e urgentes, a Constituição, tal como interpretada pelo Tribunal Constitucional, funciona como um bloqueio inflexível que ignora completamente essa urgência. A nova Lei de Estrangeiros, aprovada com uma maioria parlamentar expressiva, foi violentamente travada pelo TC após um pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República.

Medidas essenciais, como a imposição de um prazo mínimo de residência para o reagrupamento familiar, prazos alargados para a análise de pedidos e critérios básicos de integração, foram rejeitadas.
O Tribunal justificou a sua decisão com alegações de violação de direitos fundamentais — sobretudo o direito à unidade familiar — e suposta usurpação da reserva legislativa da Assembleia da República. Mas, na verdade, assistimos a uma interpretação tão restritiva e desconectada do contexto social e político que chega a ser surreal.

O Tribunal Constitucional tem um papel claro: garantir que as leis cumprem a Constituição, não legislar por trás do Parlamento. Quando um órgão judicial começa a tomar decisões que configuram opções políticas, estamos perante uma perigosa usurpação de competências.

O legislador, democraticamente eleito, tem o dever e a legitimidade para ajustar as regras migratórias conforme a capacidade real do país para integrar quem chega. O TC reconhece essa legitimidade, mas anulou-a com interpretações que tornam praticamente impossível qualquer reforma que imponha critérios mínimos de exigência.
A pressão migratória não é ficção: é uma realidade urgente.

Portugal tem recebido um aumento significativo de imigrantes e não podemos fechar os olhos à pressão real que exercem sobre serviços públicos já saturados — saúde, habitação, educação.
A lei não proibia o reagrupamento familiar, não fechava fronteiras, não discriminava por nacionalidade ou religião. Exigia apenas regras claras, razoáveis e prazos condizentes com a capacidade administrativa, como já acontece em vários países europeus. Não havia nada de revolucionário ou fora do comum — apenas bom senso.

Na Dinamarca e nos Países Baixos, é preciso esperar até três anos antes de pedir reagrupamento familiar, e exige-se idade mínima de 24 anos para o cônjuge. Na Alemanha, a entrada do cônjuge depende da prova de conhecimentos básicos da língua e da maioridade legal.

França e Reino Unido impõem provas linguísticas, exigem rendimentos mínimos e rejeitam pedidos se o residente estiver dependente de apoios sociais. Alguns desses países têm prazos de decisão que ultrapassam 24 meses. E tudo isso foi validado pelos seus tribunais constitucionais.

Portugal limitou-se a tentar impor dois anos de residência e prazos de 9 a 18 meses para decisão — um quadro moderado e ainda assim recebeu um veto judicial. Esta disparidade não é apenas injustificável, é profundamente humilhante para o país.
Este caso não é um episódio isolado, é sintomático de um problema estrutural gravíssimo. A Constituição da República Portuguesa, especialmente na proteção dos direitos fundamentais, foi escrita num contexto histórico diferente daquele que vivemos hoje. A sua rigidez impede o legislador, mesmo com maioria parlamentar, de responder a desafios reais e urgentes como a gestão da imigração em larga escala.

Desde a última revisão constitucional em 2005, o mundo mudou drasticamente — e Portugal continua preso a regras absolutistas que impedem ajustes proporcionais e razoáveis. Este bloqueio constitucional é um entrave que sufoca qualquer debate democrático sobre uma questão tão vital.

Queremos um sistema jurídico que funcione para a sociedade, e não uma Constituição transformada numa prisão que condena o país à imobilidade. É urgente abrir um debate sério e corajoso para rever a moldura constitucional, não para suprimir direitos, mas para enquadrá-los de forma equilibrada e adequada aos tempos que correm.

Essa revisão deve clarificar os limites e as condições da proteção ao reagrupamento familiar, permitindo regulamentações justas e eficazes, garantir espaço suficiente para que o Governo e o Parlamento possam legislar de forma célere sobre integração e imigração e, acima de tudo, obrigar o TC a respeitar a margem de escolha política do legislador, evitando interpretações que travam políticas legítimas e necessárias.

Uma Constituição que se recusa a evoluir torna-se um obstáculo perigoso, incapaz de responder aos desafios do presente. O chumbo da nova Lei de Estrangeiros pelo Tribunal Constitucional não é apenas uma derrota grave para a soberania democrática — é uma declaração de incapacidade política e uma afronta ao bom senso.

O Parlamento cumpriu o seu dever e legisla conforme o país precisa. O Tribunal Constitucional, ao travar medidas moderadas e amplamente aceites na Europa, ultrapassou os limites do seu papel, usurpando a função do legislador. Está na hora de aceitar que, se Portugal quer garantir estabilidade, segurança e uma gestão sustentável da imigração, terá de mudar a sua Constituição — antes que a situação se torne irreversível.

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