Questionado pela Lusa sobre a dimensão das alienações concretizadas pelas instituições financeiras desde 2017 a outras entidades, fonte oficial do banco central respondeu que “o Banco de Portugal não dispõe da informação solicitada”.
O ano de 2017 é o momento a partir do qual a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco) diz terem sido mais visíveis as consequências das operações de cessões de empréstimos realizadas pelos bancos para limpar dos seus balanços créditos considerados malparado (de difícil cobrança), por orientação das entidades de supervisão bancária.
Os principais bancos têm vendido carteiras de crédito à habitação, ao consumo e às empresas, a compradores que depois tentam cobrar os créditos ou ficar com as garantias reais dos devedores (como imóveis). No entanto, de todo o montante alienado, não se sabe especificamente qual é o valor do crédito à habitação vendido.
Esse é a categoria de crédito que, nas cessões, pode levantar problemas legais. Em 2024 e 2025, em dois acórdãos semelhantes, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já considerou ilegais as vendas de créditos à habitação realizadas pelo Santander e pelo BPI relativamente a dois clientes, por “fraude à lei”.
A partir do momento em que o crédito à habitação sai da esfera de uma instituição de crédito, os clientes deixam de beneficiar das normas legais que regulam os contratos de crédito à habitação, deixando de poder exercer o chamado “direito de retoma”, a possibilidade de saldar a dívida em atraso e voltar a pagar o empréstimo a prestações como anteriormente.
Como as carteiras são vendidas em massa pelos bancos, as cessões de milhares de clientes acontecem por vagas e, nesses momentos, os clientes deixam de constar do reporte feito pelos bancos ao BdP.
À Lusa, o supervisor confirmou que “quando um crédito é cedido a uma entidade não participante na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), a informação sobre esse crédito deixa de constar no mapa de responsabilidades de crédito do cliente, deixando o Banco de Portugal de ter informação sobre a evolução do crédito em causa”.
Segundo o BdP, “à luz do quadro legal em vigor aplicável a contratos de crédito à habitação e hipotecário, o Banco de Portugal apenas supervisiona a atividade desenvolvida pelas entidades mutuantes (entidades legalmente habilitadas a conceder crédito em Portugal) e pelos intermediários de crédito”.
De fora da supervisão, refere o BdP, estão as empresas que compram os créditos, que não são obrigadas “a cumprir as normas legais e regulamentares especificamente aplicáveis à comercialização de crédito à habitação” (entre as quais está o direito de retoma).
Entretanto, entrará em vigor um novo diploma, promulgado pelo Presidente da República em 13 de agosto, que regula a cessão e a gestão de créditos.
Com o diploma, explica à Lusa o BdP, as entidades cessionárias terão de nomear um gestor do crédito, registado no BdP, “responsável por assegurar o cumprimento das regras na relação com os clientes, incluindo no âmbito da cobrança do crédito e da sua renegociação”, podendo o banco central aplicar sanções por incumprimento.
A diretiva deveria ter sido transposta por Portugal até 29 de dezembro de 2023, mas só agora o processo legislativo está a chegar ao fim.
As instituições bancárias já realizaram várias operações de venda de carteiras de crédito desde essa altura e, como as novas regras ainda não estavam de pé, os clientes não puderam beneficiar dos direitos que a legislação europeia lhes consagra.
Por exemplo, em junho, o BPI anunciou que vendeu uma carteira de 82 milhões de euros, de 5.600 clientes, não especificando quantos dizem respeito a habitação.