O ex-ministro social-democrata Rui Medeiros, hoje um dos rostos mais influentes da sociedade de advogados Sérvulo & Associados, voltou a garantir um contrato milionário dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). A adjudicação — 492 mil euros já com IVA — repete o padrão que se tornou quase uma marca da contratação pública em Portugal: avultadas avenças entregues sempre aos mesmos escritórios, sem concurso, sem concorrência e sem verdadeiro escrutínio. O ajuste direto foi novamente justificado com a vaga cláusula da “complexidade técnica”, utilizada como escape legal para evitar a abertura de concurso público.
Datado de 28 de novembro e revelado pelo Página UM, o contrato prevê “apoio jurídico especializado” em contratação pública, incluindo matérias de inteligência artificial. Mas o argumento para dispensar concorrência é o mesmo que sucessivos governos — independentemente da cor partidária — têm invocado: alegar que não é possível estabelecer critérios objetivos para comparar propostas. Resultado: mais um contrato entregue diretamente a uma sociedade que, ano após ano, continua a acumular adjudicações de alto valor financiadas pelo erário público.
Só entre abril de 2024 e hoje, já com Luís Montenegro em funções, a SPMS celebrou quatro contratos com a Sérvulo & Associados, aproximando-se dos 700 mil euros em apenas alguns meses. Nos dois anos anteriores, o mesmo escritório tinha recebido mais de 570 mil euros em sete contratos. Agora, com o novo Governo, o ritmo acelerou e muito.
A Sérvulo & Associados, fundada por Sérvulo Correia e historicamente próxima do núcleo duro do PSD, está mais uma vez no centro das decisões estratégicas do Estado. Rui Medeiros, além de professor catedrático da Universidade Católica, foi secretário de Estado de Pedro Passos Coelho e é atualmente o responsável por assinar os contratos milionários em nome da firma, reforçando a ligação entre poder político, assessoria jurídica e adjudicações públicas.
A SPMS é uma das entidades públicas mais bem apetrechadas em quadros jurídicos e técnicos, com equipas internas especializadas em contratação pública. Ainda assim, sempre que surgem contratos de elevado valor, a solução continua a ser a mesma — recorrer a serviços externos através de ajustes diretos, repetindo os nomes e repetindo os montantes.
Nos últimos dois anos, a Sérvulo & Associados assinou 108 contratos públicos no valor de 7,5 milhões de euros — o melhor biénio da sua história. E o mais impressionante: 87% desses contratos foram celebrados por ajuste direto. Apenas seis, num universo de quinhentas adjudicações, passaram por concurso público. De um total de 28 milhões de euros faturados ao Estado ao longo dos anos, 23 milhões foram conquistados sem qualquer concorrência.
O contrato agora revelado é o segundo maior de sempre para a firma, apenas ultrapassado pelos 535 mil euros adjudicados pelo Metropolitano de Lisboa — contrato esse que só apareceu no Portal BASE anos depois. No biénio 2024–2025, a sociedade já pulverizou todos os recordes anteriores, ultrapassando largamente o melhor período registado entre 2018 e 2019.