Dino d’Santiago, músico português nascido no Algarve e com raízes cabo-verdianas, tem vindo a acumular reconhecimento artístico e político, mas a sua carreira tem igualmente sido marcada pelo uso intensivo de fundos públicos, gerando polémica quanto à transparência e gestão desses apoios. Condecorado em 2023 com a Medalha de Mérito Cultural, integra a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e o Conselho Geral da Universidade de Aveiro. Recentemente lançou o livro Cicatrizes, com prefácio de Lídia Jorge, e foi convidado a conceber uma ópera para o Centro Cultural de Belém.
Contudo, o percurso do artista está ligado a apoios financeiros significativos provenientes de entidades públicas, sobretudo da Câmara Municipal de Lisboa. Entre 2021 e 2025, segundo investigação do Página UM, Dino recebeu cerca de 1,6 milhões de euros, distribuídos entre a sua empresa Batuku Roots e a associação Mundu Nôbu.
O financiamento remonta ao período da pandemia. Em 2021, a Câmara de Lisboa atribuiu 250 mil euros à Batuku Roots para o projeto online Lisboa Criola, dedicado à promoção da cultura afro-lusófona. Nesse mesmo ano, a empresa recebeu mais de 20 mil euros do Turismo de Portugal. Em 2022, a Batuku Roots voltou a ser apoiada com 250 mil euros para organizar um festival de música de três dias, com workshops e conferências, verba que representou praticamente todas as receitas da empresa nesse exercício. Em 2023, novo apoio de 250 mil euros assegurou a continuidade do projeto, elevando as receitas anuais a 346 mil euros.
Com a criação da associação Mundu Nôbu, no final de 2023, Dino d’Santiago passou a celebrar contratos diretos com empresas municipais, nomeadamente a Gebalis e a EGEAC, evitando candidaturas formais a programas de financiamento. Entre 2024 e 2025, essas contratações já totalizam 481 mil euros. A associação recebeu ainda 314.863 euros do Portugal Inovação Social, para um projeto de “capacitação de jovens afrodescendentes” com três anos de duração, que prevê visitas à Presidência da República e outras atividades de visibilidade pública.
No total, a Mundu Nôbu recebeu perto de 800 mil euros, enquanto a Batuku Roots acumulou montante semelhante, sendo a Câmara de Lisboa responsável por mais de 1,2 milhões de euros desses apoios. Outras entidades privadas — como o BPI, Fundação La Caixa, BNP Paribas, Fundação Calouste Gulbenkian, FNAC, Microsoft, IKEA e Worten — são mencionadas como parceiras, mas sem transparência quanto aos valores envolvidos ou à eventual gratuitidade dos serviços.
Apesar dos montantes expressivos, a associação mantém um elevado grau de opacidade. Os relatórios e contas de 2024 ainda não foram aprovados, não são divulgados os órgãos sociais, não há informação sobre número de associados e a direção, além de Dino d’Santiago e da cofundadora Liliana Valpaços, permanece desconhecida. O músico afirmou ao jornal que nem ele nem familiares receberam verbas da associação e que ambos investiram recursos próprios, mas não apresentou documentos que comprovem essas declarações.
“Quem é o CHEGA? Não lhes dou tempo de antena. Sei que às vezes nós, músicos, somos atirados aos leões e nem o leão nos quer comer, e nem o público nos tira da arena. Quem é o CHEGA?”
Especialistas em direito e gestão pública recordam que, embora as associações não tenham fins lucrativos, a utilização de fundos públicos exige rigor e transparência. A Mundu Nôbu está, assim, sujeita à fiscalização da Inspeção-Geral das Finanças e do Tribunal de Contas.
“Quem é o CHEGA?”
Em paralelo, Dino tem-se envolvido em causas sociais e políticas, mas nem sempre de forma coerente. No programa 5 Para a Meia-Noite, menosprezou o partido CHEGA, afirmando: “Quem é o CHEGA? Não lhes dou tempo de antena. Sei que às vezes nós, músicos, somos atirados aos leões e nem o leão nos quer comer, e nem o público nos tira da arena. Quem é o CHEGA?”, declarou.
Em janeiro de 2023, afastou-se temporariamente das redes sociais após denunciar “ataques xenófobos” de que diz ter sido alvo. Dino d’Santiago esteve ainda ligado à manifestação Não nos encostem à parede, realizada a 11 de janeiro em Lisboa, que reuniu mais de 1.800 pessoas e diversos artistas numa demonstração pública contra o racismo e a intolerância.