O padrão de homenagem ao 25 de Abril

Em 25 de abril de 1997 passados que foram 23 anos sobre a revolução, gente preocupada com a falta de lembrança do povo sobre a data, resolveu mandar erigir um monumento em memória da abrilada. E onde? Bem no alto do Parque Eduardo VII. 

Definido o local, marco de excelência e um ex-libris de Lisboa, foram atrás de João Cutileiro, talvez por ter pertencido ao partido comunista ou talvez para premiar o próprio partido por ter sido o mais ativo na altura do PREC. Não sei. O que sei é que em má hora adjudicaram-lhe a obra sem cuidados a ter em conta. Não indicaram nem a responsabilidade da mesma, nem o que deveria representar, muito menos o seu sentido e o enquadramento na parte superior do Parque Eduardo VII onde sobressaem a sumptuosidade das colunas de Keil do Amaral. Esqueceram-se ainda de o informar sobre o que, em termos de responsabilidade, poderia representar um monumento que ferisse a grandiosidade dum Parque na parte cimeira de Lisboa, bem no topo da Avenida da Liberdade. 

Sem saber o que fazer e claramente impressionado com a grandiosidade do cenário, João Cutileiro deve ter pensado: “Ou faço uma coisa como deve ser o que vai ser difícil tendo em conta o meu jeito para estas coisas, ou faço um “mamarracho” qualquer, não digo o que é e ponho a intelectualidade cá do burgo a pensar e a descrever a obra. 

Dito e feito saiu “aquilo”, aquele monstro de formas apenas entendíveis pelos intelectuais do costume e o dito escultor lá veio dizer que “não falaria sobre a obra e que deixaria a sua interpretação para o conceito que cada um tem sobre o 25 e sobre a arte.” Pudera!

Na altura lembrei-me de “O rei vai nu” de Christian Andersen e do seu significado sobre uma coisa evidente, sobre os fatos feitos de tecidos que só os inteligentes poderiam ver e que ninguém, correndo o risco de o tomarem por burro, tivesse a coragem de denunciar a verdade. Na lenda e no livro, uma criança denunciou-a. – “O rei vai nu!”. Cutileiro não se envergonhou, qual alfaiate dito escultor, olhou a sua obra e viu-a como era. Um “abrolho”. Mas continuou sempre a desafiar a coragem de alguém que dissesse o contrário acolitado pelos de mente mais iluminada que por aí anda. E assim foi desde a inauguração da “obra”. Uns passam por lá e perguntam que obras andam a fazer? Outros turisticamente orientados ouvem a justificação da anormalidade. Décadas passaram e ninguém parece criticar como deve ser o “iluminado” Cutileiro que chegou ao alto do parque Eduardo VII e descarregou 90 toneladas de mármore junto à imponente coluna esquerda de Keil do Amaral. E é pena mas normal atitude de um povo que sempre sofreu do complexo de Andersen. 

A câmara de Lisboa ainda hoje tenta explicar aquilo a que “os menos esclarecidos” chamam o “pirilau” de Lisboa se é que me permitem a brejeirice e a que os mais intelectualmente evoluídos chamam sem se rir, de ”Padrão de homenagem ao 25 de abril”. Lisboa na sua interpretação “inteligente” continua a dizer que o elemento principal representa na sua forma fálica, a força viril e o vigor da revolução “esclarecendo” também a presença de um amontoado de calhaus e de um cravo bicolor que não é vermelho nem verde antes pelo contrário, se é que me faço entender. À noite a ponta do falo expele jatos sobre um lago de pouca água representando o que der na cabeça aos mais dotados. Aos que sabem de arte. Para os leigos e inocentes como a criança de Andersen, o que veem é um “trambolho” e uma anormalidade num simples e desajustado amontoado de calhaus. 

O monumento possui ainda uma legenda em Braille que deve tentar impor ao invisual aquilo que só alguns veem. Aquilo que só para fingidores não fere a beleza de um parque único. Não sei e pouco me importa o que diz. Apenas me incomoda muito, ter por imposição e teimosia idiota, uma lixeira de pedra dura bem no alto dum extraordinário e cuidadosamente desenhado parque. Afinal a arte sendo a exaltação do belo, foi traída. Os portugueses, uma vez mais, também. 

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