Em declarações à agência Lusa, Filipe Pathé Duarte, da NOVA Business School, e João Henriques, vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico (OMI), sublinharam que a morte de Saleh al-Araoui “não surpreende”, dado que Israel já tinha admitido, em dezembro, que planeava localizar os líderes do Hamas no Líbano, Turquia e Qatar como parte do objetivo de erradicar totalmente o movimento.
“Se olharmos bem para a morte de al-Araoui, provavelmente é o primeiro assassínio extra-territorial de um grande líder do Hamas por Israel, desde que Israel divulgou os planos de conduzir os ataques direcionados em dezembro de 2023 através do The Wall Street Journal”, sublinhou Pathé Duarte.
Para o académico, a curto prazo, em resposta, o Hezbollah, no Líbano, poderá aumentar os ataques com ‘rockets no norte de Israel em solidariedade com o Hamas e potencialmente até permitir que haja alguns lançamentos simbólicos de combatentes do Hamas no sul do Líbano.
“Mas a longo prazo a minha perspetiva é diferente, no sentido em que o ataque vai fazer com que o Hezbollah pressione o Hamas para limitar as suas atividades no sul do Líbano com o objetivo muito concreto de evitar uma escalada mal calculada”, disse.
“Independentemente disso, se Israel continuar a levar a cabo assassínios extra-territoriais no Líbano, especialmente a membros de elevado escalão do Hezbollah, a guerra entre Israel e o Hamas vai claramente expandir-se para um conflito regional, nomeadamente para o Líbano, e até, eventualmente, para a Síria”, sustentou, salientando que existem ainda muitos “ses”.
Para Pathé Duarte, na Cisjordânia, onde existe uma popularidade crescente do Hamas, a morte de al-Araoui “vai, provavelmente enfraquecer qualquer potencial por uma mobilização significativa organizada pelo Hamas”, uma vez que este dirigente sempre foi uma figura chave na organização e financiamento de operações na Cisjordânia.
“A morte [de al-Araoui] não me parece que venha significar aqui uma mobilização crescente por parte de palestinianos na Cisjordânia”, sublinhou.
João Henriques, por seu lado, sublinha que a morte de al-Araoui deixa no ar uma “pergunta inevitável”: “O que poderá representar a morte do ‘número dois’ do Hamas para um eventual alastramento do conflito, alargando os combates ao Líbano e à Síria?”.
O responsável do OMI lembra que al-Araoui era um dos membros fundadores da ala militar do Hamas, as Brigadas Iz Ad-Din Al-Qassam, cuja organização, antes de dia 02, já tinha em curso na região ações anti-Israel, sobretudo a sul do Líbano, com a intervenção do Hezbollah e de outros grupos ligados ao Hamas, na Síria e ultimamente a partir do Iémen, com múltiplas iniciativas do movimento Huthi.
“Desde o início da atual guerra, faz domingo três meses, a grande preocupação de toda a comunidade internacional centra-se nas dramáticas repercussões que o conflito projeta em termos securitários e humanitários em toda a região e no seu eventual alastramento para além da já de si bastante fustigada região do Médio Oriente”, realçou.
“Há, todavia, uma parte desta comunidade internacional que parece manter-se alheia ao sofrimento do povo palestiniano, devido a um conjunto de interesses inconfessáveis. A este propósito, não deixa de ser bastante estranho que alguns líderes mundiais se tenham mostrado sempre ligeiros na aplicação de sanções e de outro tipo de bloqueios a países com atuações alegadamente marginais, e no caso específico de Israel, se vão remetendo ao silêncio, mesmo quando estão em causa reconhecidamente crimes contra a humanidade”, frisou o vice-presidente do OIM.
Para João Henriques, “objetivamente, as tensões na região do Mar Vermelho estão a aumentar como resultado dos ataques dos Huthis a navios mercantes que transitam por aquele espaço.
“Em resposta, as forças norte-americanas têm atacado embarcações do movimento e, no que poderá ser entendido como uma clara escalada do conflito, o Irão anunciou o envio de um navio de guerra para o Mar Vermelho”, acrescentou.
“O certo é que o conflito no Mar Vermelho tem vindo a perturbar o comércio marítimo internacional, levando-o ao envolvimento crescente do Reino Unido e dos Estados Unidos, aprofundando as preocupações quanto a uma potencial escalada”, concluiu Henriques, realçando igualmente a existência de “mais perguntas do que respostas”.