Na véspera da votação final no Parlamento Europeu, eis algumas perguntas e respostas sobre o contexto da aprovação do pacto:
O conceito começou a ser usado em 2015/2016, na sequência da guerra na Síria, que provocou mais de 65 milhões de refugiados e uma das crises humanitárias mais intensas do século.
Além da Síria, vários países africanos – como o Sudão, a Nigéria ou a Líbia – e de outros pontos do mundo – como o Afeganistão ou o Bangladesh – têm conflitos políticos ou militares a piorar, pelo que milhares de pessoas continuam a fugir da repressão e miséria e procuram uma vida melhor. Muitas delas na Europa.
A crise dos refugiados decorreu e ainda decorre do grande número de migrantes que se deslocou em massa para a Europa, através do Mar Mediterrâneo, de forma precária e com embarcações inseguras. Isso gerou um crescimento demográfico intenso e rápido, sobretudo nos países banhados pelo Mediterrâneo, causando, em muitos europeus, um sentimento de rejeição.
Uma segunda crise foi assumida em 2022/2023, na sequência da pandemia de Covid-19, da invasão da Ucrânia pela Rússia, da saída dos aliados ocidentais do Afeganistão, da continuação de guerras e conflitos e também das alterações climáticas.
Segundo o Relatório Mundial sobre Migração 2022, o último publicado pela ONU, existem 281 milhões de migrantes internacionais, o que equivale a 3,6% da população mundial.
A Europa, e sobretudo a União Europeia, continua a ser um dos principais destinos dos migrantes irregulares.
De acordo com a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), o número de travessias irregulares para o território europeu no ano passado foi o mais alto desde 2016, ultrapassando as 355.000. Isto significa um aumento de 17% relativamente a 2022.
Esta crise acontece numa altura em que a repulsa nascida nos anos 2015/2016 se aprofundou, estando na base do crescimento dos movimentos e partidos xenófobos que alegam que os migrantes roubam empregos, habitação e distribuição de riqueza aos cidadãos nacionais.
Há quatro rotas migratórias principais, sendo que a do Mediterrâneo Central é considerada, de longe, a mais perigosa e mortífera de todas.
Nesta rota, os migrantes partem sobretudo da Líbia, Tunísia e Argélia e atravessam o Mar Mediterrâneo para entrar na Europa por Itália e, em muito menor escala, por Malta.
No ano passado mais de 150 mil pessoas fizeram esta travessia e cerca de 2.300 morreram no percurso.
A rota do Mediterrâneo Oriental é outra das vias, tendo entrada pela Grécia, Chipre e Bulgária e sendo percorrida por muitos refugiados que tentam escapar à guerra civil na Síria.
A rota do Mediterrâneo Ocidental diz respeito às entradas na Espanha continental – pelo Mediterrâneo e por via terrestre, através de Ceuta e Melilla — a partir de Marrocos e Argélia.
No total do ano passado, o Mediterrâneo provocou a morte a pelo menos 3.129 pessoas.
A rota da África Ocidental refere-se às entradas na Espanha insular (ilhas Canárias, pelo oceano Atlântico), e parte principalmente de Marrocos, do Saara Ocidental, da Mauritânia, do Senegal e da Gâmbia.
Além destas quatro principais, há ainda a rota dos Balcãs Ocidentais, que usa vários países com fronteiras com Estados-membros da UE, como a Albânia a Bósnia-Herzegovina ou a Sérvia.
A falta de solidariedade e tolerância dos países da União Europeia para acolher os migrantes que chegam às costas do sul da Europa constitui o principal terreno fértil para a xenofobia.
Nas eleições realizadas em 2018 já se registava, em alguns países da Europa Ocidental, um forte aumento de partidos políticos com tendências xenófobas.
Hoje, há vários países onde a direita radical e os ultranacionalistas estão no poder, quer sozinhos quer em coligação — casos de Itália, Países Baixos, Suécia, Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Hungria, Polónia ou Eslováquia — ou passaram a ser influentes, como em Portugal, Espanha, Finlândia ou Letónia.
Em vésperas das eleições que vão escolher a nova composição do Parlamento Europeu, as sondagens apontam para uma viragem acentuada para a direita, que poderá ter um impacto significativo em várias políticas da Comissão e do Conselho Europeu, nomeadamente nas dedicadas às migrações.
O novo Pacto para as Migrações e Asilo, que será votado em definitivo pelo Parlamento Europeu na quarta-feira, foi acelerado para que todas as fases de aprovação acontecessem antes das eleições europeias, agendadas para entre 06 e 09 de junho.
O Pacto Europeu de Migração e Asilo tem como principal objetivo “estabelecer as normas mínimas para o tratamento de todos os requerentes de asilo e os pedidos de asilo em toda a Europa”.
Pode dizer-se que o Dia D da reforma das condições de migração irregular para a União Europeia aconteceu em 19 de abril de 2015.
Nesse dia, uma traineira com cerca de 30 metros de comprimento e 700 imigrantes a bordo naufragou de noite a 60 milhas da costa da Líbia, sendo que menos de 30 pessoas sobreviveram. A crise já existia, sobretudo na sequência da guerra na Síria iniciada no ano anterior, mas nesse dia nenhum responsável deixou de comentar a situação e defender a necessidade de tomar medidas.
Quatro dias depois, o Conselho Europeu realizou uma reunião extraordinária na qual os chefes de Estado ou de Governo acordaram mobilizar todos os esforços para impedir que mais pessoas morressem no mar e para agir sobre as causas profundas da migração, reforçando a presença no mar e a solidariedade entre membros e combatendo os traficantes e os fluxos de migração ilegal.
A partir daí, várias medidas foram tomadas, mas, durante muito tempo, pareceu que os Estados-membros tinham perdido a capacidade de cooperar nesta matéria.
Os países do sul reclamavam dos números crescentes de entrada de migrantes, alegando não terem mais capacidade para os acolher e pediam mais solidariedade aos países do norte. O conflito ideológico provocou várias crises e o aumento trágico de mortes no Mediterrâneo não deixou a questão passar despercebida.
Não, muitas organizações internacionais criticaram o acordo.
A organização Médicos Sem Fronteiras, uma das que faz mais resgates de migrantes no mar, disse que o novo acordo “não faz nada para evitar que morram pessoas no Mediterrâneo Central”, permitindo apenas que “os líderes da UE passem a ser livres de ignorar a sua obrigação de resgate”.
Para a organização Save The Children, o novo acordo vai representar “um grande retrocesso” nos direitos das crianças migrantes, uma vez que facilita a sua detenção e permanência em instalações policiais nas fronteiras da Europa.
Também a Amnistia Internacional admitiu estar preocupada, referindo que as reformas acordadas pela UE irão “atrasar a legislação europeia em matéria de asilo nas próximas décadas e conduzirão a um maior sofrimento humano”. Para esta organização, o pacto vai “aumentar as violações dos direitos humanos em cada etapa das viagens”.
Outra das organizações críticas foi a Humans Before Borders, que considerou que o pacto vai abrir caminho para a suspensão de direitos, sobretudo ao permitir usar o conceito de `crise` para adotar medidas excecionais.
Uma carta conjunta assinada por 50 associações – como a ActionAid International, os Advogados Europeus para a Democracia e os Direitos Humanos, a Caritas Europa ou a Oxfam – refere que as novas medidas vão “normalizar o uso arbitrário da detenção de migrantes, inclusive de crianças e famílias, aumentar a discriminação racial, usar procedimentos de `crise` para permitir expulsões e devolver os indivíduos aos chamados `terceiros países seguros` onde podem ficar em risco de violência, tortura e prisão arbitrária”.
Por seu lado, a Organização Internacional para as Migrações considerou o acordo positivo por “sugerir um futuro quadro comunitário abrangente e comum que torna mais próxima a promessa de uma migração segura, digna e ordenada”.