“Portugal deveria pagar os custos”, continuou Marcelo e atirou mesmo que o país deveria “reparar” alegadas “ações que não foram punidas e responsáveis que não foram presos”.
A verdade é que este não é um assunto novo para o Presidente da República. Há um ano, na sessão de boas-vindas ao Presidente brasileiro Lula da Silva, que antecedeu a sessão solene comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril, na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que Portugal “devia um pedido de desculpa”, mas acima de tudo que devia “assumir a responsabilidade pela exploração e pela escravatura no período colonial”.
Já no passado sábado, em tentativa de descartar a polémica por detrás das suas palavras, Marcelo considerou que é sempre necessário “assumir a responsabilidade por aquilo que de bom e de mau houve no império”.
“Sempre achei que pedir desculpa é uma solução fácil para o problema. O assumir significa, de facto, isso”, enfatizou o chefe de Estado, alertando também para o facto de que Portugal “tem a obrigação de pilotar e de liderar este processo”, pois caso contrário, poderá “acontecer o que aconteceu com países que, ao fim de x anos perderam a capacidade de diálogo com as antigas colónias”. Em reação a estas declarações, o presidente do CHEGA apontou o dedo a Marcelo e acusou o chefe de Estado de “traição à pátria”.
“O Presidente não foi o representante de Portugal, foi o representante dos outros países, mas ele não foi eleito por Angola, nem Cabo Verde, nem por Timor, nem pelo Brasil. Ele foi eleito pelos portugueses e ele não se deve esquecer disso”, incriminou André Ventura, sublinhando que “pediria a destituição” do chefe de Estado, “se isso fosse possível” no plano constitucional em Portugal. André Ventura fez ainda sobressair que prevê avançar com uma moção de censura ao Governo, caso Luís Montenegro avance com algum tipo de indemnização às ex-colónias.
“No dia em que este Governo português der a compensação que seja, ou a indemnização que seja a uma antiga colónia, desonrando brutalmente a nossa História, podem ter a certeza de uma coisa: a moção de censura ao Governo entra nesse dia”, assegurou.
Do outro lado do oceano, opiniões também se fizeram ouvir. A Ministra da Igualdade Racial do Brasil, como por exemplo, pediu medidas concretas ao Governo português.
“É realmente muito importante e contundente essa declaração”, afirmou Anielle Franco, celebrando que “pela primeira vez, está a ser feito um debate dessa dimensão a nível internacional”.
“A nossa equipa já está em contacto com o Governo português para dialogar sobre como agir e quais os passos que deverão ser tomados”, garantiu Anielle Franco, deixando claro que as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa foram bem recebidas pelo governo brasileiro.
Note-se que em todas a suas declarações, Marcelo Rebelo de Sousa não dedica uma palavra de consideração aos ex-combatentes. Ao que André Ventura relembra o papel destes “portugueses, que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das colónias, regressaram a uma pátria que pouco tinha para lhes oferecer, e muitos ainda lutam com as consequências dessa deslocação forçada”.
“Ignora o sacrifício pessoal destes homens e suas famílias e perpetua uma injustiça ao não valorizar igualmente todas as partes protagonistas da história colonial de Portugal”, escreveu o CHEGA em comunicado.
Recorde-se que os ex-combatentes manifestaram o seu descontentamento, nos dias 15 e 16 de abril, em frente à Assembleia da República, contestando que o estatuto de ex-combatente é “uma mão cheia de nada”.
“Há 50 anos estão prometidas diversas regalias e o que acontece é que quando foi aprovada uma mão cheia de nada”, defendeu, na altura, António Araújo da Silva, dirigente do Movimento Pró-Dignidade ao Estatuto do Combatente, em declarações à Lusa. António Araújo da Silva relembrou ainda a situação dos antigos combatentes recrutados nas ex-colónias, cidadãos naturais de países como Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, que combateram nas Forças Armadas portuguesas, mas não são abrangidos por algumas compensações por não terem registos de carreira contributiva em Portugal. “Com mais de 70 anos, estamos carregados de problemas graves de saúde. Se não tivéssemos ido à guerra não teríamos motivo. Muitos dos meus camaradas vieram de lá com graves problemas de saúde e estão cá e quem é que lhes vai pagar a medicação?”, interrogou António Araújo da Silva.
O movimento pediu para ser recebido “de forma urgente” pelo Ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo. Algo que até ao momento ainda não aconteceu. Marcelo Rebelo de Sousa arrancou, esta terça-feira, uma visita a Cabo Verde para participar nas comemorações dos 50 anos da libertação dos presos do Campo de Concentração do Tarrafal.