O alvoroço causado pela assinatura do acordo militar entre São Tomé e Príncipe e a Rússia é sintomático do desnorte em que anda a diplomacia portuguesa. Marcelo falou em surpresa e apreensão. Um presidente que se mostra tão próximo das antigas colónias não está atendo à geopolítica em África? Em Belém, o foco é fazer boa figura nas fotografias com os presidentes da CPLP mas perceber o que se passa é que é difícil. Será que Marcelo sabe o que passa na África Subsaariana? Tem algum conselheiro de segurança que lhe diz o que todos nós podemos observar? Basta olhar para o mapa para se perceber a expansão russa pelo Senegal, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade e Sudão.
Na África Central a influência estende-se ao Congo, à Guiné Equatorial e agora a São Tomé e Príncipe. Percebe que São Tomé está numa área estratégica tal como está o golfo da Guiné? Será que se recorda que a Rússia tem uma presença histórica pelo apoio aos movimentos independentistas em África e que está de volta e em força garantindo a segurança dos investimentos chineses? Reconhece a importância estratégica dos portos no Sudão, no Chade e em São Tomé para apoio da armada russa nos movimentos no Hemisfério Sul? Tem noção da importância dos recursos naturais como, por exemplo, o urânio do Chade?
Tantas perguntas podem baralhar quem acordou sobressaltado quem anda adormecido e quem se dispersa em não-assuntos e em sonhos de “reparação” sem qualquer fundamento. Enquanto uns dormem, o planeta Terra vai girando e as coisas vão acontecendo.
Mais grave ainda é a ingerência de Marcelo nos assuntos internos de um país soberano quando afirmou que desconhece o acordo militar assinado entre São Tomé e a Rússia. Estas palavras fazem algum sentido? É esperado que as antigas colónias venham mostrar os textos ao professor Marcelo para os corrigir e lhes dar uma nota? Esta interferência com resquícios coloniais levou a uma resposta contundente e humilhante para Portugal de Patrice Trovoada, primeiro-ministro são-tomense que deve ter deixado Marcelo corado e novamente adormecido com a força da pancada. Lembrou, também, que São Tomé se relaciona com a Europa e a Rússia sem precisar da muleta de Portugal e que, se Marcelo quiser saber os termos em que foi celebrado o acordo militar terá que esperar que seja publicado. Vale a pena lembrar que já está publicado e está no domínio público. Quando Marcelo acordar poderá lê-lo.