10 de Junho, «Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas», reveste-se em 2024 de um significado (ainda mais) especial. Porquê? Porque 2024 é o ano apontado como aquele em que se assinala e celebra os cinco séculos do nascimento do autor de «Os Lusíadas». Porém, e quando estamos quase a terminar a primeira metade do ano, nenhuma iniciativa oficial, estatal, foi realizada para evocar a efeméride. A não ser que se considere que o anunciado, e quiçá prematuro, «baptismo» do novo, futuro, aeroporto de Lisboa com o nome do grande poeta por parte do actual governo, de Luís Montenegro, é uma dessas iniciativas. Se sim, é provável que se trate de um acto de sobrecompensação, de um excesso em reacção a uma escassez, em relação a tudo aquilo que o anterior governo, de António Costa, não fez mas que se tinha comprometido a fazer…
… E para o qual teve bastante tempo e muitos meios, financeiros e outros. No entanto, e como tantas vezes sucede quando a esquerda se envolve em qualquer coisa, «o pior de dois mundos» verificou-se, mais concretamente o gosto pela burocracia e o desgosto pela História de Portugal. Recorde-se o que (não) aconteceu: em Maio de 2021 uma resolução do então Conselho de Ministros confirmou a decisão de se proceder a comemorações nacionais dos 500 anos, determinou a nomeação de uma comissária e ainda a criação de uma estrutura de missão, de uma comissão de honra e de um conselho consultivo; o mesmo documento estipulou que o programa deveria ser terminado e entregue ao governo até ao final de 2022 e que as comemorações decorreriam entre 12 de Março de 2024 e 10 de Junho de 2025. Exactamente três anos passaram e nada foi feito, e honestamente ninguém poderá afirmar que tal se deveu à crise política que eclodiu em Novembro de 2023 e que levou à demissão do primeiro-ministro e do seu executivo, à dissolução do parlamento e à realização de eleições legislativas antecipadas a 10 de Março deste ano. Note-se igualmente que em 2022 assinalaram-se os 550 anos da publicação d’«Os Lusíadas», e também nada de especial se fez para celebrar esta efeméride, ou isoladamente ou, o que seria mais lógico, integrada, precisamente, num programa mais alargado alusivo aos cinco séculos do nascimento de Luís de Camões. Houve quem destacasse, entre os motivos para o fracasso, a não criação das estruturas delineadas na tal resolução de 2021. Todavia, será que novas estruturas, novas entidades, novas «mordomias» eram realmente necessárias? Afinal, não existe algo denominado Instituto Camões, que poderia e deveria ter desenvolvido e finalizado todas as acções previstas, e até outras?
Há que reconhecer, contudo, que não é apenas à habitual incompetência dos «súcia-listas» que se deve este desaire. Há que «agradecer» também à ideologia, ou, melhor dizendo, aos preconceitos ideológicos deles. Nem sempre foi assim mas, com o tempo, o Partido Socialista, em especial com José Sócrates, foi adoptando quase todas as idiotices do «politicamente correcto», incluindo um desdém pelo passado «colonialista» e «esclavagista» do nosso país, de que Luís de Camões foi e é o cantor supremo e um dos seus símbolos. Para o honrar não houve pois muita vontade, mas esta não faltou, assim como o dinheiro, quando se tratou de tentar «renovar» a imagem gráfica – o logotipo – da República Portuguesa, reduzida a um rectângulo verde, um círculo amarelo e um quadrado encarnado de forma a adquirir uma «consciência ecológica reforçada» (!) e tornar-se mais «inclusiva, plural e laica». E, na verdade, a laicidade e a desnacionalização eram evidentes com a retirada da esfera armilar, das quinas e dos castelos, tudo elementos que o novo governo, da Aliança Democrática, reintroduziu assim que tomou posse. A ver vamos, ou não, o que aquele irá fazer pelo grande poeta, para além de dar o seu nome a um aeroporto.
Na «terra de (tantos) cegos» em que se tornou este «jardim à beira-mar plantado» quem teve um olho não é «rei»? Mesmo tratando-se do «rei» da nossa literatura, do «rei» da nossa cultura? A melhor resposta é a de não esperar pelo que dos gabinetes do poder em Lisboa virá ou não, e sermos nós todos, a «sociedade civil», a tomar a(s) iniciativa(s). E, de facto, múltiplos colóquios e livros (novos e reeditados) sobre o grande poeta, a sua vida, obra e influência, estão previstos ou já foram concretizados. Porém, a melhor homenagem que se poderia prestar a Luís de Camões seria deixarmos de celebrar, e, pior, num feriado nacional, a data da sua morte, um dia muito triste também porque coincide, na prática (ocorreu três semanas antes), com a perda da independência de Portugal.