Fernanda de Almeida Pinheiro falava à agência Lusa a propósito das conclusões do inquérito feito pelo Instituto de Políticas Públicas e Sociais (IPPS) do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, hoje tornado público, integrado no relatório “O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2024”, totalmente vocacionado para o sistema de Justiça.
A bastonária reconheceu que a amostra corresponde à perceção que as pessoas têm da justiça, mas lembrou que a “esmagadora maioria” dos cidadãos não tem “ideia nenhuma do que se passa na justiça” porque não tem contacto direto com os tribunais onde ocorrem os ditos “atrasos”, os quais, disse, são fáceis de explicar.
“A justiça tem tido um desinvestimento quase total por parte da governação”, enfatizou Fernanda de Almeida Pinheiro, sublinhando que é injusto apontar o dedo e responsabilizar juízes, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e advogados (se estes últimos tivessem sido mencionados no estudo) quando existem falta de recursos humanos, materiais e tecnológicos nos tribunais.
A título de exemplo, observou que os operadores judiciários têm que trabalhar nos tribunais com computadores obsoletos com 10 e mais anos. Criticou ainda que se fala muito em Inteligência Artificial (IA) aplicada aos tribunais quando nem sequer existe assessoria nos tribunais que ajudem os magistrados na pesquisa de jurisprudência e em outras tarefas.
A bastonária alertou que os operadores judiciários continuam “desamparados na sua atividade” porque “não há meios”, acrescentando: “A assessoria nos tribunais está prevista há 20 anos e é uma miragem”.
A Ordem dos Advogados (OA) já entregou ao Governo um caderno de encargos, tendo a bastonária elegido como prioridade das prioridades a contratação de recursos humanos para os tribunais, a revisão da tabela de honorários dos advogados oficiosos que não é revista há 20 anos e garantir o acesso dos cidadãos à justiça dando cumprimento ao que está previsto na Constituição.
Fernanda de Almeida Pinheiro considerou ainda que “é urgente” proceder a alterações no sistema prisional, onde o “edificado está a ruir”, recordando que Portugal é “recorrentemente condenado” pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pelas más condições das cadeias portuguesas no âmbito de queixas apresentadas pelos reclusos.
“É preciso que o Governo cumpra o seu papel e implemente medidas que já devia estar em curso há décadas”, acentuou.
Quanto aos problemas dos advogados, incluindo a questão do pagamento aos estagiários e da tabela de honorários dos advogados oficiosos, a bastonária disse ser altura de se “fazer justiça com a classe” que representa, manifestando a convicção que a nova ministra da Justiça (advogada de profissão) tem a “sensibilidade concreta” para discutir e resolver os problemas da advocacia.
Segundo o estudo, “74% dos inquiridos consideram que a Justiça funciona ‘mal’ ou ‘muito mal’”.Entre os inquiridos que avaliam negativamente a Justiça, a maior responsabilidade é atribuída aos juízes, procuradores e governos, numa escala que coloca os “cidadãos em geral” como os menos culpados dos problemas.
Numa avaliação mais detalhada ao sistema de Justiça, as considerações “menos positivas concentram-se no desempenho geral do sistema, incluindo rapidez, eficácia e eficiência”.
A maioria dos inquiridos considera que os juízes e procuradores são vulneráveis e cedem a pressões com “muita” ou “alguma frequência” por parte da comunicação social (66%), grupos económicos e sociais (64%), do governo (60%), dos partidos da oposição (57%) e dos Presidentes da República (57%).