“Faltou um entendimento de regime, estava tudo pronto e houve um recuo da parte do PSD, lamento profundamente”, disse Luísa Meireles num painel de debate sobre financiamento da imprensa no 5.º Congresso de Jornalistas, que decorre desde quinta-feira e até domingo em Lisboa.
A diretora de informação da Lusa explicou que o negócio implicava que o serviço da Lusa passaria a ser gratuito, o que considerou que seria importante para poupar dinheiro aos órgãos jornalísticos e lhes permitir investir mais em jornalismo próprio.
Caso o negócio se tivesse concetizado, disse Luísa Meireles, a Lusa iria passar a receber mais de seis milhões de euros do Estado quer para compensar a redução das receitas próprias quer para investimentos (sobretudo tecnológicos).
O Estado financia a Lusa pelo serviço público prestado (em 2022, cerca de 16 milhões de euros com IVA incluído) e os clientes da Lusa pagam um valor mensal por ter acesso às notícias (as receitas próprias ficaram próximas de quatro milhões de euros em 2022, últimos dados divulgados).
Luísa Meireles disse ainda que estava previsto um novo modelo de governação da Lusa, com a criação de um conselho de supervisão independente, uma “muralha” para proteger a Lusa da ingerência do poder político.
“É fundamental para um dia em que venha novamente um Sócrates. E hoje tenho menos medo do Sócrates do que aquilo que vi a semana pssada em Viana do Castelo”, disse, numa referência ao congresso do Chega.
Luísa Meireles recordou ainda o jornalista do Expresso retirado à força de um evento com o líder do Chega, André Ventura, na Universidade Católica (promovido por associações de estudantes), o que levou a aplausos dos congressistas.
O deputado do Chega Pedro Pinto não participou hoje no debate com partidos políticos sobre o papel do Estado no jornalismo. Após ter confirmado a presença, cancelou, justificando com a necessidade de estar presente em iniciativas políticas, explicou a moderadora.
A gratuitidade do serviço da Lusa fez divergir alguns diretores de informação que hoje participaram nos painéis sobre financiamento do jornalismo.
Tanto o diretor da SIC, Ricardo Costa, como o diretor da TVI, Nuno Santos, mostraram-se favoráveis, admitindo que para isso o Estado terá de aumentar o financiamento à agência.
Por seu lado, o diretor do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues, considerou que o negócio ruiu porque “estava a ser combinado nas costas do cidadão” e questionou que “se a Lusa quer oferecer conteúdos grátis porque não o faz já”.
Do Observador, Miguel Pinheiro considerou que uma Lusa gratuita vai matar a diversidade do jornalismo, sobretudo em órgãos mais frágeis financeiramente.
“Não tendo dinheiro para jornalismo e tendo à borda um caudal de informação ilimitado, porque hei de mandar o meu jornalista se a Lusa está lá? Não percebo como salvamos o jornalismo se todos os jornais publicam a mesma notícia”, disse.
Pelo Público, David Pontes disse duvidar que essa medida seja boa para jornais, pois dará “hipótese a qualquer chafarica que tenha registo” a aceder à Lusa.
Em final de novembro, o Governo anunciou que falhou o processo de compra pelo Estado de 45,7% da agência Lusa, pertencentes à Global Media e à Páginas Civilizadas, por “falta de um consenso político alargado”. Se o negócio tivesse ido avante, o Estado ficaria com a quase totalidade da Lusa.
Já este mês, o ministro da Cultura disse que o Estado propôs pagar cerca de 2,5 milhões de euros, valor ao qual era preciso descontar a dívida, pelas participações da Global Media e das Páginas Civilizadas na Lusa, e que a intenção era aumentar a indemnização compensatória da agência Lusa já em 2024 e, dessa forma, tornar o seu serviço gratuito para toda a comunicação social.
Para Adão e Silva, a gratuitidade da Lusa permitiria a “pelo menos mais 600 órgãos de comunicação social” aceder ao serviço da agência e manifestou-se confiante que o próximo Governo avance com a medida.
O Estado detém 50,15% da Lusa, com o grupo Global Media a ser detentor de 23,36% e a Páginas Civilizadas 22,35%.
O fundo Union Capital Group (UCAP Group) controla a maioria (51%) do capital da Páginas Civilizadas, a qual detém 41,5% da Global Media.
Em dezembro, os representantes dos trabalhadores da Lusa rejeitaram que a única agência de notícias de Portugal tenha como acionista um fundo de investimento estrangeiro sobre o qual nada se sabe, que designaram de um “dono sem rosto”.