A aliança gerontocrática

Era uma inevitabilidade. Sem rasgo, sem visão, sem ideias e sem líderes, a direita do passado foi direita ao passado. Como von Aschenbach em Morte em Veneza, o velho PSD correu a cobrir-se de pó rejuvenescedor e chamou-lhe ‘Aliança Democrática’. O resultado tem sido tão tosco quanto deprimente.

Estava escrito nas estrelas que o enterro do PSD e do CDS acabaria por fazer-se entre uma farsa revivalista. Ao primeiro faltam os quadros que ainda vai tendo o segundo. Ao CDS faltavam votos, o orçamento e, crucialmente, o acesso institucional que permite a satisfação dos clientelismos essenciais à vida dos partidos. Se necessidades complementares justificaram o casamento, o parolismo explica o vestido. PSD e CDS são capitaneados por homens para quem é eternamente 1980. Ambos imaginam ainda o país seduzível pelo discurso amassado do tecnocratês e das ‘reformas’. Ambos crêem francamente que o país pára ao ouvir os nomes de Sá Carneiro e Amaro da Costa. Nenhum consegue, fechados que vivem na críptica sub-cultura do centro-direita, entender o quão irrelevante ela é, em 2023 e para o país real. E ambos conhecem, apesar de tudo, o vácuo de ideias e de carisma que os próprios representam. Mais que um atavismo, esta ‘AD’ é uma máscara – é confissão de insegurança e prenúncio de débâcle.

Embora com evidente melhor gosto, já outros tentaram a receita de Montenegro. Em 2009, também Sarkozy quis esconder com pós de von Aschenbach a face decrépita do centro-direita francês. O vento da História não podia ser parado, contudo, e ‘Os Republicanos’ nem por isso deixaram de naufragar até às profundezas de uma existência hoje testemunhal. Aquele delírio não podia, por melhor que maquilhado, escapar à realidade: do tempo, da irrelevância crescente dos seus mitos, da pobreza do seu programa, do fosso insanável entre o que o país pedia e o que o próprio tinha a dar. O projecto de resgate da velha direita colidiu de frente com um mundo que ela já não entendia, e a que nada tinha a dar. E assim desapareceu.

Não é diferente em Portugal, como esforçadamente no-lo tem demonstrado a dupla Montenegro-Melo. O entusiasmo dos dois com Ursula von der Leyen é, no caso, algodão que não engana. Enquanto o Ocidente marcha ao ritmo das soberanias e, por todo o lado, crescem as forças anti-globalistas, PSD e CDS querem uma euro-federalista – defensora, pois, do fim de Portugal como Estado independente – como presidente de Comissão. Enquanto, cá dentro e lá fora, os povos reagem à avalanche migratória, Montenegro e Melo gabam uma criação de Merkel – a chanceler alemã que abriu o continente à imigração de massas. Em dias de guerras e rumores de guerras, a direita do passado quer à cabeça da Europa a mulher que, como ministra da defesa, deixou a Alemanha indefesa. Eis, em síntese cruel – mas justa – a AD.

O que fazer perante esta farsa desnorteada, tonta e assustadiça? Pôr fim à estagnação – e deixar o passado no passado.

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