Mas esta solução teórica entra em choque com o regulamento: se o comboio estiver lotado, a empresa admite que o passageiro pode ser obrigado a sair na paragem seguinte e até arriscar coima, mesmo não tendo alternativa para comprar o bilhete.
A contradição entre normas e prática tem levado muitos revisores a aplicar “bom senso”, permitindo viagens em pé — algo formalmente proibido nos Intercidades — para evitar deixar pessoas apeadas em estações isoladas e sem condições mínimas. O sindicato dos revisores confirma à CNN Portugal que o cumprimento literal das regras resultaria em conflitos diários e atrasos sucessivos, razão pela qual muitos profissionais evitam expulsar passageiros.
O problema agravou-se com o Passe Ferroviário Verde, que exige reserva gratuita de lugar, mas cuja procura disparou sem que a oferta fosse reforçada. Em dezenas de localidades, sobretudo no interior, não existem bilheteiras nem máquinas com capacidade de reserva, obrigando muitos utentes sem acesso digital a arriscar entrar no comboio sem título válido , precisamente nos dias em que os comboios circulam mais cheios.
Especialistas em mobilidade consideram a situação resultado de uma falha estrutural de planeamento. Apontam a insuficiência crónica de oferta, a falta de investimento no sistema ferroviário e a dispersão de responsabilidades entre CP e Infraestruturas de Portugal. Alertam que este cenário “não existe em nenhum país europeu” e que só será resolvido com novo material circulante e uma estratégia de serviço adequada à procura real.
A CP, confrontada com as críticas, afirma estar a apostar num “modelo omnicanal”, centrado na aplicação móvel e na bilheteira online, justificando a ausência de bilheteiras como parte dessa estratégia. No entanto, para muitos passageiros em territórios sem alternativa, a experiência continua a resumir-se a entrar no comboio e esperar que haja lugar e compreensão do revisor.