As contratações na Saúde nos últimos anos serviram apenas para manter a capacidade assistencial, e não para a reforçar, conclui um estudo que pede mais dados para caracterizar o peso do duplo emprego e da prestação de serviços.
“A análise realizada sugere que grande parte das contratações para o SNS [Serviço Nacional de Saúde] foi utilizada para manter a capacidade assistencial do sistema, e não para a reforçar”, referem os autores do documento, os economistas Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, da Nova SBE.
Defendem igualmente que a interpretação do aumento do número de profissionais como reforço da capacidade do sistema “é abusiva”, justificando: “Parte do aumento pode ser motivado por uma diminuição dos horários de trabalho, ou por variações no volume de profissionais de saúde em prestação de serviços”.
Sublinham que a capacidade assistencial do SNS depende, entre outros fatores, do número de horas trabalhadas, e não do número de profissionais, e sugerem uma nova forma de gestão, testando novos modelos de organização com “maior flexibilidade e um maior trabalho em equipa entre os diferentes grupos profissionais”.
“A ausência dessa flexibilidade e capacidade de substituição fará com que os sistemas de saúde enfrentem custos excessivos: com os mesmos orçamentos a prestação de cuidados de saúde poderia ser superior”, alertam.
A propósito da necessidade de uma gestão mais flexível, Pedro Pita Barros, um dos autores do documento, exemplifica: “Se os novos médicos têm preferências diferentes, então, se calhar, os contratos oferecidos também têm que ser diferentes”.
“Por exemplo, é dizer ao médico: ‘você pode escolher estar connosco com este contrato, ou com aquele contrato, em que um tem mais e outro menos horas, mas que não seja só a discussão de exclusividade ou dedicação plena. Que seja mais flexível do que isso”, explicou.
Defende igualmente que se deve considerar também “oportunidades de desenvolvimento de carreira que sejam diferentes do habitual”: “Qual é o receio de um jovem profissional de ir para o interior do país? É ficar isolado no seu desenvolvimento profissional. Por que não permitir ele ter uma espécie de Erasmus ao fim de 4 ou 5 anos, para ir a um centro médico que ele escolha, no país ou fora do país, para ter o seu desenvolvimento”, admitiu, reconhecendo que seria preciso um maior planeamento para estes clínicos e a sua substituição.
Ainda sobre planeamento, lembrou o que já se sabe sobre a feminização da profissão, sublinhando que isto colocará questões futuras relativamente ao balanço família/trabalho, que “vai mudar ao longo do trajeto profissional destas pessoas”.
“Isso devia fazer logo parte de um plano de desenvolvimento, falando com as pessoas sobre as vagas abertas e fazendo ver que a parentalidade é algo que a organização considera como importante e integrada na sua permanência na instituição, e não uma coisa desagradável. Isto precisa de planeamento”, insiste.
Diz não saber se o SNS tem as instituições de saúde preparadas para programar, ao longo do tempo, o caminho destes profissionais, mas que “gostaria que assim fosse”.
O estudo, que será hoje apresentado, aponta a necessidade de um reporte sistematizado sobre os profissionais em prestação de serviços, com todos os dados divulgados quer em número de profissionais, quer em numero de horas trabalhadas, “para se poder aferir variações na capacidade de prestação de cuidados de saúde”.
“Essa caracterização é fundamental para aferir se o duplo emprego se traduz num aumento efetivo de capacidade, ou apenas num efeito de substituição entre prestadores de cuidados de saúde”, referem os investigadores, salientando: “Para além disso, importa compreender se o recurso a prestadores de serviço corresponde a picos temporários ou a soluções para fazer face a necessidades permanentes de alguns serviços”.
Lembram que o envelhecimento dos profissionais de saúde “implica uma adaptação do sistema de saúde”, frisando: “Uma maior proporção de médicos envelhecidos reduz os profissionais de saúde disponíveis para trabalhar em período noturno ou em urgência”.
Para além disso — recorda o documento – a aproximação da idade da reforma de um grande volume de profissionais, em particular de médicos, “coloca um grande desafio à manutenção de capacidades formativas no SNS”.
“Os próximos anos serão marcados por volumes elevados de aposentações no SNS. O planeamento atempado dessas aposentações é fundamental para minimizar disrupções no normal funcionamento dos cuidados de saúde”, salientam os autores.