12 Maio, 2024

“O maior desafio do setor é encontrar na classe política interlocutores válidos”

Licenciado em Engenharia Zootécnica, Luís Mira é Secretário-Geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) desde 1999 e Membro do Conselho Económico e Social (CES). É ainda Membro do Conselho Económico e Social Europeu (CESE), desde 2006.

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Chegados ao fim de mais um governo socialista, como avalia este mandato e, numa perspetiva mais alargada, os últimos oito anos de António Costa, especificamente no setor da Agricultura? 

Não é propriamente segredo que as nossas relações com a Ministra da Agricultura estiveram longe de ser as melhores, até porque empreendemos um conjunto de manifestações contra a política agrícola do Ministério, com grande impacto e visibilidade na sociedade portuguesa.

Ainda assim, na sequência dessas manifestações e já de forma mais direta com o Primeiro-Ministro, foi possível estabelecer um acordo a propósito do IVA Zero de um conjunto alargado de produtos agroalimentares e, mais recentemente, um acordo de concertação social com medidas específicas para o setor agrícola.

  1. O tema da seca é recorrente quando se fala de Agricultura, sobretudo no Verão, quando o tempo está naturalmente mais seco. Portugal tem mesmo um problema de falta de água? Como se resolve?

Portugal tem sobretudo um problema de gestão dos recursos hídricos, ou seja, de capacidade de aprovisionamento de água e de distribuição da mesma ao longo do seu território.

Se é verdade que as alterações climáticas não afetam exclusivamente o nosso país, também é verdade que não comparamos nada bem com muitos outros países, começando por Espanha, no que concerne à planificação e ao investimento necessário para colmatar este problema. E ele resolve-se, respondendo concretamente à pergunta, construindo infraestruturas de retenção e distribuição de água, de modo a captá-la sobretudo onde a pluviosidade ocorre mais frequente e abundantemente, ou seja, mais a norte do país, fazendo chegar este recurso às regiões onde a escassez é maior. 

Não é por acaso que temos vindo a insistir na expressão “autoestradas da água”, como forma de explicar este conceito num país que tanto tem investido nesse tipo de infraestruturas e tão pouco noutras. A barragem de fins múltiplos de Alqueva é um exemplo para nós e mesmo além-fronteiras, a qual não podendo ser replicado à mesma dimensão noutras regiões, constitui um modelo que devemos seguir no que diz respeito à gestão dos recursos hídricos, até porque se não atacarmos este problema de frente e com urgência, vamos pagar uma fatura muito pesada no futuro.

  1. Como está o setor agrícola relativamente à execução de fundos comunitários, nomeadamente quanto aos fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência?

O atraso na execução dos fundos comunitários, nomeadamente os relativos ao chamado PRR é conhecido pelos agentes económicos e pela sociedade portuguesa de uma forma geral, tendo a questão sido levantada há já muito tempo pelo próprio Presidente da República.

O PRR não foi planeado pelo governo para verdadeiramente apoiar a recuperação e a resiliência das empresas, acabando por ser orientado para implementar iniciativas de caráter predominantemente social e que na prática correspondem a lacunas resultantes do mau funcionamento do Estado.

Relativamente ao setor agrícola, os atrasos têm sido muitos e foram atempadamente denunciados por nós, num processo que culminou em manifestações contra a política agrícola do governo. Os apoios que o setor não teve de forma atempada relativamente à seca e às consequências da guerra na Ucrânia, ao contrário de Espanha, por exemplo, provocaram danos que se prolongam no tempo e cujos efeitos impactam negativamente a competitividade do setor.

  1. A balança alimentar portuguesa é tradicionalmente deficitária. Qual a estratégia que deveríamos adotar para inverter esta tendência?

Verificou-se nas últimas décadas que o setor tem vindo a fazer um percurso de recuperação, modernização, e aumento de produtividade, que resulta num aumento exponencial das exportações em diversas culturas. De qualquer forma, o equilíbrio que verdadeiramente importa para o país é o que resulta do balanço entre importações e exportações, no que concerne ao setor agroalimentar. Esse caminho tem vindo a ser feito, ainda que os nossos governantes pouco ou nada contribuam para que os nossos agricultores tenham condições para competir em igualdade com os seus colegas europeus.

  1. Do ponto de vista da Confederação dos Agricultores de Portugal, quais os principais desafios que se colocam à agricultura e aos agricultores portugueses?

O setor agrícola nacional enfrenta uma série de desafios de grande envergadura, que infelizmente dependem mais das políticas seguidas pelos nossos governantes e da forma como a sociedade encara o setor e o mundo rural, do que da vontade, da resiliência e da iniciativa dos agricultores, que tem vindo a ser demonstrada recentemente, nos momentos de maior dificuldade do país, como a crise financeira e a pandemia.   

As alterações climáticas e as secas recorrentes que temos vindo a atravessar são grandes desafios e implicam estabelecer um plano de gestão dos recursos hídricos, englobando todas as regiões. Se este problema não for resolvido, acabará por condicionar a produção em todo o território, com particular incidência no sul do país. 

Por outro lado, questões como a falta de mão-de-obra, a sobrecarga fiscal, a assimetria entre litoral e interior, a inflação e o aumento dos custos de produção, são condicionantes graves para o setor e desafios aos quais urge corresponder. De qualquer forma, talvez o maior desafio que enfrentamos seja sensibilizar a opinião pública para a importância do setor e do próprio mundo rural, assim como encontrar na classe política interlocutores válidos, interessados e conhecedores da realidade do setor. Importa ainda reverter a decisão de transferir competências das Direções Regionais de Agricultura para a esfera das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

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