Na qualidade de muito jovem eleito em representação do PPM nas listas da AD, Aliança Democrática (1978-1982, a original), sinto-me na obrigação de esclarecer, em nome da memória e da legitimidade que esse facto me atribui, os equívocos gerados pela novel agremiação política que ostenta esse mesmo nome. Com efeito, a designação revivalista da coligação visa o voto saudosista e é traiçoeira, invocando um passado de que o verdadeiro herdeiro político é o Chega.
Nem Montenegro chega aos calcanhares de Sá Carneiro, nem Nuno Melo por sombras é comparável a um Freitas do Amaral ou a um Amaro da Costa, nem Câmara Pereira tem a dimensão de Ribeiro Telles. Contrariamente à AD original, são líderes sem carisma, sem ambição e sem chama, burocratas da partidocracia a quem falta verdadeiro impulso reformista.
Lembro, pois, as diferenças no contexto político-social da criação de ambas as coligações. Na sequência das eleições de Abril de 1976, após a aprovação e entrada em vigor da Constituição, tinha havido uma sucessão de governos efémeros sob a chefia do PS de Mário Soares ou de iniciativa presidencial, num regime de democracia socialista tutelada, ainda sob a égide ditatorial do Conselho da Revolução. Todos os partidos assumidamente de direita tinham sido dissolvidos pelo MFA. A AD de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles nasceu de um sobressalto cívico de todos os quadrantes não socialistas contra o predomínio da esquerda e a contínua intromissão dos militares na política, visando uma democracia estável e plena. Pelo contrário, a nova AD nasce numa situação de democracia parlamentar estabilizada e madura, europeia, sem riscos de regresso a uma qualquer ditadura. Ela visa, de forma quase exclusiva, evitar que a verdadeira direita chegue à área do Poder, aceitando ser conivente com o Partido Socialista, o qual, ao longo dos anos, tem dominado o aparelho de estado, e levado o País à estagnação ou ao retrocesso em todos os domínios. Daí a estratégia das linhas vermelhas.
Desde a estabilização da democracia, o PS e o PSD, os dois maiores partidos, únicos que ganharam eleições, foram criando soluções de consenso e de partilha entre si, funcionando como verdadeiras agências de emprego estatal e alargando a sua influência a todas as áreas de decisão no país. Com tendência para uma verdadeira geminação ideológica, foram responsáveis pelo apodrecimento do regime devido à falta de alternativas e às inúmeras negociatas que foram patrocinando. Já no período final da AD se podia notar a convergência de estratégias e de interesses entre esses dois partidos, consubstanciada no Bloco Central, em variadíssimas decisões e práticas governamentais de consenso e até em negócios e sociedades privadas entre dirigentes de ambos. Essa situação só se alterou, ainda que parcial e episodicamente, durante os consulados de Sócrates e de Passos Coelho.
O PSD, que sempre oscilou entre o liberalismo e a social-democracia, optou progressivamente pela segunda e foi-se tornando objectivamente numa sucursal do PS encarregue de arrebanhar e neutralizar os eleitores de direita. Sob a batuta de Rui Rio e, agora, de Montenegro, foi deslizando do centro para a esquerda e abdicou do papel de principal partido da oposição, servindo de muleta do PS sempre que este dela precisou. É actualmente um partido que sofre de transtorno da personalidade, com bases maioritariamente de direita e uma liderança tendencialmente de esquerda
Foi a ausência de alternativas e a conivência entre esses dois partidos que levou à criação do Chega e ao seu crescente sucesso. Caberá aqui parafrasear uma personalidade insuspeita, o bloquista Fernando Rosas, que afirmou: “Acho que há uma crise de legitimidade no sistema político. É um sistema baseado em dois grandes partidos ao centro que se alternam entre si, sem alternância. As pessoas sabem que ao votar naqueles dois partidos mudam as clientelas, mas não muda a política. É uma espécie de regresso ao rotativismo do século XIX”. É óbvio que aquilo a que ele chama centro será esquerda para a maioria dos observadores isentos. E que, muitas vezes, nem sequer mudam muitas das clientelas, pois os interesses são comuns.
Passando agora aos protagonistas menores desta nova Aliança: o CDS de 1978 pouco ou nada tinha a ver com o de 2024. Representando à partida cerca de 16% do eleitorado, após um percurso errático em que se foi aproximando e afastando sucessivamente de PS e PSD e assegurando também uma quota de influência no regime através dessa oscilação conivente, foi perdendo a sua razão de ser e, consequentemente, representação parlamentar. Não conseguindo manter um trajecto ideológico uniforme nem fugir à atracção centrípeta dos dois grandes partidos do regime, foi-se acomodando e “domesticando” à mercê das migalhas que ia recebendo. Episodicamente dilacerado por épicas lutas internas e confrontos de egos, contentou-se sempre em ficar às portas do Poder. Trata-se agora de uma formação política residual que luta pela sobrevivência ao integrar a nova AD. Que saudades daquele partido, refúgio possível de parte das direitas e origem de muitos dos nossos militantes, que corajosamente se afirmava defensor do personalismo face ao diktat das esquerdas!
Quanto ao PPM, também ele nada tem a ver com o de 1978. O PPM de 1978 era um partido com excelentes quadros, embora quase sem bases. Único partido legal a ter recusado a assinatura do Pacto MFA-Partidos, era na altura o único assumidamente ecologista do panorama político português e possuía argumentos programáticos e competências individuais que lhe asseguraram um lugar na coligação. Assente no verdadeiro municipalismo, no agrarianismo e no tradicionalismo, defendia muito daquilo que hoje são as grandes propostas do Chega. Após fortes dissensões internas e cisões, foi sobrevivendo à custa de coligações e de funcionar como “barriga de aluguer” a candidaturas independentes, descaracterizando-se, perdendo quadros e capacidade de atracção, até se tornar naquilo a que chamo um partido vestigial. Sem nunca ter atingido verdadeira relevância eleitoral, obteve “numerosos” 260 votos no único círculo em que concorreu em nome próprio nas últimas eleições legislativas, e é hoje pouco mais que uma sigla utilizável em coligações. E é facto público e notório que a esmagadora maioria dos monárquicos portugueses se encontra hoje no Chega.
Resumindo:
A AD actual é uma fraude: a original combatia o sistema, a actual defende-o!
A AD original unia as direitas, a actual divide-as!
A AD original possuía líderes com carisma e competência comprovada, que faltam à actual!
A AD original combatia o socialismo, a actual contemporiza com ele!
A AD original integrava três partidos, a actual é a soma de um partido hegemónico com os restos diminutos de outros dois!
2024 não é 1978 e já só o Chega é alternativa, combate a corrupção, o socialismo globalista e o sistema!