“Esta condenação vai ser aproveitada pela campanha do Donald Trump como mais um argumento para pedir votos ao seu eleitorado”, afirmou o investigador que dirige a FCH-Católica. “Isso começou logo à saída do tribunal, com uma das estratégias mais clássicas de propaganda política que é a da vitimização”, indicou.
Nelson Ribeiro referiu que houve um trabalho de “pré-propaganda” feito na antecâmara da condenação, durante o qual o candidato republicano preparou os seus apoiantes para um desfecho negativo.
“Ele sempre construiu a narrativa de que este processo não era uma questão judicial nem que tenha feito nada de errado, mas uma perseguição política. Com este resultado, o que vai fazer é continuar a escalar essa narrativa”, previu.
A eficácia da estratégia já se nota nas primeiras pesquisas após o veredicto. A nova sondagem da Morning Consult indica que mais de metade dos eleitores aprovam a decisão dos jurados (54%), mas essa não é a realidade entre os que votam à direita.
Na base de eleitores republicanos, 74% desaprovam o veredicto, enquanto 8% não sabem e apenas 18% aprovam. São 67% os que não acreditam que Trump tenha cometido um crime – uma percentagem que é de apenas 5% entre democratas e 31% entre independentes.
“As pessoas mais fiéis e que acreditam em praticamente tudo o que o Donald Trump diga vão utilizar esta condenação como comprovativo de que esta perseguição de que ele se diz alvo é real”, salientou Nelson Ribeiro.
O investigador referiu que a campanha está alicerçada na ideia de que ele é uma vítima e de que está a lutar contra o sistema, representando o povo americano.
“É claramente uma das coisas mais óbvias do ponto de vista populista. É esta ideia de que existe um sistema e que nós, os desgraçados do povo, temos que lutar contra esse sistema”.
Há outras estratégias de propaganda usadas com eficácia: incutir o medo, identificando alguns culpados, e prometer o regresso a um passado glorioso.
“O Make America Great Again tem imensos ecos com aquilo que aconteceu na Europa, com a ideia de que a Alemanha poderia voltar a ser uma nação grande como tinha sido antes da I Guerra Mundial”, frisou Ribeiro. “O próprio Estado Novo também tinha a sua forma de se promover como voltando ao tempo grandioso dos Descobrimentos”.
O que tem permitido a Donald Trump amplificar a sua mensagem e combater os efeitos negativos que uma condenação teria noutra campanha é o ambiente das redes sociais: “as estratégias são clássicas, mas os meios que utilizam são muito sofisticados e muito modernos”.
O escrutínio dos jornalistas está agora a ser contornado no universo online, devido à formação de bolhas informativas e da ação dos algoritmos – dos quais ainda não sabemos bem como funcionam, como estão a ser programados e quem os financia.
“As pessoas entram aqui de facto numa bolha e o facto de lhes ser dito que algo é mentira parece que é um pouco irrelevante”, notou Nelson Ribeiro. Isso tem permitido a Trump desacreditar os seus problemas legais.
O professor sublinhou que não é preciso que as pessoas acreditem em coisas falsas, mas apenas introduzir a dúvida.
“Se calhar as pessoas não acreditam necessariamente em tudo o que Donald Trump diz, mas basta ficarem com a dúvida de que será que o sistema judicial americano está de facto corrompido e está de facto a ser controlado pelo Joe Biden”, afirmou, acrescentando que “isso pode levar, por exemplo, a que algumas pessoas deixem de votar”.
Nelson Ribeiro considerou que é difícil estar otimista por causa da velocidade a que se estão a desenvolver novas ferramentas capturadas para fins propagandistas, como Inteligência Artificial e ‘deep fakes’.
Ainda assim, disse ter esperança e acreditar “que há alguma resiliência em termos das sociedades democráticas”.
O investigador considerou que o jornalismo “tem um enorme papel” e deve reclamar a sua posição como reduto de credibilidade, ao mesmo tempo que devemos ser mais cautelosos no consumo de informação “que não procuramos mas que chega até nós”.