Tal como tem acontecido todas as sextas-feiras há quase quatro meses, dezenas de israelitas, incluindo familiares dos reféns, reuniram-se em Sutton Place, à porta de Guterres, para lhe fazer ouvir as suas reivindicações antes de seguir para os escritórios das Nações Unidas.
Com bandeiras de Israel penduradas nas costas e segurando cartazes com o rosto de reféns do movimento islamita palestiniano Hamas, os manifestantes gritavam, emocionados: “traga-os para casa, agora!”, “traga-os para casa, agora!”.
Às 09h00 em ponto (hora local, 14h00 em Lisboa), Guterres saía de casa, rodeado pelos seus seguranças, e, após cumprimentar alguns dos manifestantes, a organizadora do protesto interrompeu-o para perguntar: “O que faria para recuperar 136 reféns portugueses, se ainda fosse primeiro-ministro de Portugal?”
Tomando o megafone da manifestante, Guterres respondeu: “Posso dizer-lhe que, como primeiro-ministro de Portugal, ou se fosse primeiro-ministro de Israel, a minha primeira prioridade seria a libertação dos reféns”.
“Primeiro, quero dizer-vos que tenho o maior respeito pela vossa dor e pela vossa preocupação. Já me encontrei e falei com vários reféns (…) O que eu posso dizer é que se eu fosse primeiro-ministro hoje, nomeadamente de Israel, a minha principal prioridade seria a libertação de reféns”, insistiu, numa interação testemunhada pela Lusa.
Após tentar tranquilizar os presentes, assegurando-lhes estar a fazer “muita pressão” para que todos os reféns sejam libertados imediata e incondicionalmente, o ex-primeiro-ministro português deixou o local, embora os manifestantes tenham permanecido ali por mais meia hora.
No local, cantaram-se os parabéns ao jovem refém Alon Ohel, que completará 23 anos no sábado, sob cativeiro do grupo islamita Hamas.
À Lusa, Shany Granot-Lubaton, membro do Fórum de Famílias dos Reféns em Nova Iorque, elogiou a “gentileza” de Guterres para com os familiares das vítimas, mas criticou ao líder da ONU o “falar a duas vozes”: “fala connosco numa voz e com o mundo noutra”.
“Já estamos aqui há cerca de 15 semanas, todas as sextas-feiras, e o secretário Guterres é sempre muito gentil connosco, ao contrário da maioria dos líderes com quem nos temos encontrado, incluindo israelitas”, disse Granot-Lubaton.
“Ele vem sempre falar connosco e eu respeito isso. Ele tem-se encontrado com todos os reféns libertados que vêm aqui, tem recebido as suas famílias, e respeitamo-lo por isso. Acredito também que ele está a pressionar por um acordo para a libertação dos reféns”, adiantou.
“Mas, por outro lado, quando Guterres fala para líderes mundiais, quando fala em conferências de imprensa, ele poderia usar o seu cargo de secretário-geral da ONU para exigir apoio à libertação destas pessoas. Ele precisa de enviar um sinal para os líderes mundiais de que o Hamas é o responsável, que o Hamas está a usar pessoas como escudos humanos e que os reféns são a prioridade número um”, defendeu a ativista.
A jovem, que durante o protesto, entre orações e cânticos, disse o nome de todas as pessoas – vivas e mortas – raptadas pelo Hamas, admitiu ser “duro” para os israelitas não ver o mundo colocar a libertação dos reféns como prioridade.
“O que queremos, em termos concretos, é que a libertação dos reféns seja a prioridade. E Guterres não está a fazer isso. Fá-lo em frente a nós, mas não o faz em frente ao mundo. Vemos o antissemitismo crescer (…) e fico perplexa como é que líderes liberais e progressistas não conseguem encontrar as palavras para, de forma clara e audível, falar sobre os reféns, apesar de terem todas as palavras possíveis para falarem de Gaza”, lamentou.
“Eu preocupo-me com Gaza, com os civis e com a vida daquelas pessoas, mas é incompreensível para mim como é que o secretário-geral da ONU não pressiona os líderes mundiais para falarem sobre os reféns. É duro para nós. Ele fala connosco numa voz e com o mundo noutra”, avaliou, em declarações à Lusa.
A porta-voz do protesto considerou ainda as declarações do Guterres, de que “se fosse primeiro-ministro de Israel a sua primeira prioridade seria a libertação dos reféns”, a “mensagem mais forte” que alguma vez ouviu o chefe da ONU direcionar ao líder de Governo israelita, Benjamin Netanyahu.
“Espero que os líderes mundiais não estejam a fazer uma luta de egos em cima da vida dos reféns. Espero também que o meu primeiro-ministro, que o Presidente dos Estados Unidos, o Qatar e todos os envolvidos nas negociações façam tudo para trazer estas pessoas de volta a casa”, disse a ativista à Lusa.
“Guterres tem um papel importante neste ‘puzzle’, ele é a cola que une todos e ele deve trabalhar para ser essa cola e fazer as pessoas trabalharem juntas. Não ouvimos a voz dele o suficiente”, concluiu Shany Granot-Lubaton.