Um homem quase sempre sozinho num palco, reafirmando algumas verdades simples – que, por malevolência alheia, insuficiência própria e pela inerente imperfeição da existência, a vida é grandemente composta por tragédia e sofrimento. Eis Jordan B. Peterson, célebre psicólogo e académico canadiano, na sua primeira visita de trabalho a Portugal, para um par de palestras (24 de abril em Lisboa, 25 no Porto), à semelhança do que já tem vindo a fazer um pouco por todo o mundo. Estive presente no Campo Pequeno e assisti a quase duas horas de monólogo desse homem que incendiou as redes sociais e bateu recordes de vendas em todo o mundo, com o seu “12 Regras Para a Vida: Um Antídoto para o Caos”, publicado em 2018.
Inevitavelmente apodado de “polémico”, como convém a um portador de verdades inconvenientes, Peterson fascina e entretém quem se predispõe a ouvi-lo com o coração aberto, quase na mesma medida que desgosta e repugna aos fanatizados do politicamente correto. Qual é então o cerne da sua mensagem? Quem tem medo de Jordan Peterson – e, crucialmente, porquê?
Que a vida é tragédia e sofrimento, já os gregos o sabiam, demonstrando-o convincentemente através da própria criação da tragédia, cuja máxima mais lapidar atribuo a Sófocles, em “Édipo Rei”, quando escreve: “Que ninguém se declare feliz até à hora da sua morte, caso seja destituída de dor.” Apesar disso, como escreveu Pessoa, “é em nós que é tudo”, significando isto que não somos, não podemos ser, tal como Hamlet, meros joguetes passivos das forças insondáveis da “fortuna adversa” e dos “milhares de choques naturais / de que a carne é herdeira” (e já agora, também o espírito). Na sua hora mais negra, ignominiosamente preso num Gulag por uma mera observação crítica quanto à condução da guerra da União Soviética (consabidamente incompetente) contra a agressão nazi, e recentemente diagnosticado com um cancro – ou seja, duas sentenças de morte -, Alexander Soljenítsin perguntou-se a si próprio as seguintes questões: que erros teria ele cometido ao longo da vida que contribuíram para a desventura das suas circunstâncias presentes? Que coisas fez, que não deveria ter feito; que omissões consentiu, que não deveria ter consentido? Embora talvez tivesse boas razões para isso, não acusou Deus, o comunismo ou a infâmia da condição humana – acusou-se a si próprio. Olhou para dentro e não para fora. Encontrou na responsabilidade pessoal a salvação e propôs-se a corrigir a sua conduta para o futuro: escreveu, em condições de penúria e sofrimento físico indescritíveis, o Arquipélago Gulag, o maior libelo de acusação de que há memória contra o mal absoluto que é o comunismo. “A decisão de um homem de mudar a sua vida, em vez de amaldiçoar o destino, abalou todo o sistema patológico da tirania comunista até às suas bases.” (“12 Rules For Life”).
Em resumo, o antídoto para a miséria da existência é a assunção de responsabilidade individual. Não queiramos mudar o mundo – mudemo-nos a nós próprios. Se é certo que não temos, por cegueira voluntária ou incapacidade inata, a exata noção do alcance nossas fraquezas, também não é menos verdade que não temos uma consciência clara das nossas potencialidades e valias, até sermos forçados (geralmente pelas circunstâncias) a dar-lhes uso. Podemos, todos nós, ser muito mais e fazer muito melhor. Sejamo-lo e façamo-lo. Não nos calemos, quando devemos falar. Não fraquejemos, quando temos obrigação de persistir. Encaremos a adversidade de frente – e lutemos sem tréguas, até que ela ou nós pereçam. Escolhamos sensatamente as nossas batalhas (caso elas não nos escolham a nós, como geralmente acontece) e travemo-las até ao fim, com a máxima grandeza e dignidade que consigamos convocar em nosso auxílio. Não contra os males do mundo: as injustiças da sociedade, a inconstância ou a ingratidão dos Homens (esses Homens somos nós) – mas contra os nossos próprios demónios, insuficiências e fraquezas.
Quem tem medo de Jordan Peterson? Os demagogos das utopias sociais e os reformadores da humanidade em abstrato. Os teóricos revolucionários, com a suas visões totalitárias de paraísos terrestres. Todos aqueles que, confrontados com as inultrapassáveis insuficiências da condição humana, olham sempre furiosamente para fora, mas jamais para dentro.