À margem de uma conferência sobre o tema da Justiça nas eleições legislativas de março, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, considerou que o comunicado que a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu sobre a decisão instrutória no caso da Madeira – que deixou em liberdade os três arguidos detidos contrariando o pedido de prisão preventiva do MP – teve esclarecimentos “interessantes e importantes” na parte em que “torna claro que a hierarquia funcionou”.
“Não gostei tanto, tenho que o dizer, da parte em que parece ter tido mau perder, digamos assim. O processo é um processo complexo, difícil e teve um impacto importante na vida pública, mas houve uma decisão de um juiz, [que] não concordou com a promoção do Ministério Público”, disse.
O presidente da ASJP reiterou que um esclarecimento do MP face “ao alarme social” criado com a decisão instrutória era devido, mas sobre o momento em que o comunicado foi emitido, ainda que entenda que a decisão sobre o ‘timing’ compete à PGR, defendeu que o MP devia ter falado antes do diretor nacional da Polícia Judiciária.
“Não sei se devia ter sido antes [o comunicado ], mas quem é o titular do inquérito é o MP, não é a PJ, e, portanto, quem deve dar a cara pelos sucessos e pelos insucessos, ou pelos eventuais fracassos ou eventuais sucessos que o MP possa ter no inquérito A ou B acho que deve ser o MP. (…) O diretor da PJ entendeu falar sobre o processo, também é da sua competência, foi ele que dirigiu a polícia de investigação, mas eu como cidadão quero que preste conta dos inquéritos a entidade que é titular dos inquéritos, que é o MP”, disse.
Defendeu ainda, sobre a demora do inquérito neste processo, que se prolongou por 21 dias, e cuja extensão também foi visada no comunicado da PGR, que lhe parece “excessivo” atribuir ao poder judicial e ao juiz de instrução a responsabilidade da demora sem conhecer o que está no inquérito, lembrando ainda que houve introdução de novos documentos durante o interrogatório da parte do MP.
Argumentou ainda, por um lado, que a decisão instrutória tem em conta o contraditório dos detidos feito durante o interrogatório, declarações que não existiam quando outros juizes validaram indícios que justificaram buscas e escutas telefónicas, e, por outro lado, que esta decisão é interlocutória e não final, podendo ainda ser revertida no recurso entregue no Tribunal da Relação de Lisboa.
“Quando temos uma decisão interlocutória é cedo demais para crucificar o juiz ou para o por no altar, porque todos nós já percebemos que passado algum tempo podemos ter que engolir as palavras”, disse Manuel Soares, clarificando que as notícias “que visavam atingir” o juiz e que davam conta de diferendos antigos com uma procuradora do processo tiveram esse intuito de ‘crucificação’.
Na semana passada o Conselho Superior da Magistratura recusou haver fundamentos para abrir um processo de averiguações à conduta do juiz de instrução no caso da Madeira, nomeadamente o tempo decorrido entre as detenções e as medidas de coação.
O MP tinha pedido para Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia a medida de coação mais gravosa, mas o juiz Jorge Bernardes de Melo decidiu libertar os arguidos apenas com termo de identidade e residência, tendo a PGR anunciado recurso da decisão.
A PJ realizou, em 24 de janeiro, cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.